Adotado como a única fonte de resolução de conflitos em países como os Estados Unidos e Inglaterra, o sistema do Tribunal do Júri no Brasil se destina a julgar os crimes dolosos contra a vida (homicídio; infanticídio; instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio; e aborto), tentados ou consumados.
Com o intuito de submeter o réu ao julgamento pela
comunidade que o “conhece”, o órgão composto por sete juízes leigos,
privilegia, dentre outras coisas, a oralidade, a transparência e,
especialmente, a falta de interesse carreirista, mais ligado a magistrados
legitimamente vinculados ao aparelho estatal. Aqui, a tarefa do Estado-Juiz é a de
garantidor, atuando apenas para garantir o cumprimento das regras
constitucionais impostas a ambas as partes.
Após o advento da lei 11.689/2008, essa necessidade
da falta de interesse carreirista ganhou contornos ainda mais fortes com a
regra da rotatividade para jurados. Aquele que participa de um julgamento como
jurado fica por cerca de dois anos impedido de participar de outro na mesma
condição (art. 426, §4º do CPP). O desrespeito a isso, aliás, deve gerar
nulidade absoluta.
O projeto de reforma do Código de Processo Penal
engendrado em 2008, vigente por foça da lei que citamos acima, é de autoria da
professora Ada Pellegrini Grinover, que propôs uma alteração de modelo e não de
procedimentos apenas. Quer-se, portanto, um modelo iluminista e cada vez mais
democrático, mas a ideia vem padecendo com as interpretações apegadas ao
sistema anterior, de influência fascista.
Dessa forma, com o modelo de viés garantista, no
Tribunal do Júri o sigilo não é apenas do voto, mas de todo o processo de
votação. Contudo, os jurados não podem depois do julgamento, sair falando dos
fundamentos de seus votos, o que, em acontecendo, pode gerar nulidade e
precedente perigoso se não for coibido, pois abala a credibilidade da
instituição do júri, possibilitando a interferência externa.
Decidido o mérito, a acusação não pode recorrer com
base em decisão manifestamente contrária às provas dos autos, já que, para
absolver, os jurados não precisam, e nem podem, fundamentar. Essa exigência se
dá apenas para julgamentos técnicos, que obrigam fundamentação de cunho
técnico-jurídico. O jurado pode absolver mesmo que a defesa não sustente a
absolvição.
Assim, a constitucional soberania da decisão do júri, jamais alterada por instâncias superiores, sem a necessidade de fundamentação do conselho de sentença, obsta recurso acusatório que questione o mérito. O Tribunal do Júri é composto por leigos justamente para julgar com base no grau de reprovabilidade social do fato e não no status técnico-jurídico do arcabouço probatório, pois este muitas vezes engessa o julgador.
Cabe-nos esclarecer, por oportuno, que a Corte
Suprema brasileira tem admitido recursos da acusação com esse fundamento,
sustentado compatibilidade da previsão do art. 593, inciso III, alínea “d”, do
Código de Processo Penal com a Constituição da República no art. 5º, inciso
XXXVIII.
Mas com o advento e a vigência dos novos paradigmas garantistas, assim defendido por Adel El Tasse e outros renomados autores, ao Ministério Público, resta recorrer exclusivamente para: arguir nulidade; quando for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; ou quando houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (art. 593, inciso III, do CPP).
Por fim, familiarizar a sociedade da importância e
das nuances do Tribunal do Júri, além de provocar o legislador para discutir
sua eventual ampliação, como o mais representativo instrumento democrático de
resolução de conflitos que temos, é a nossa principal intenção nessa apertada
síntese.
A cada julgamento exposto com pompa pela mídia
percebe-se o interesse, a curiosidade, a euforia com os procedimentos, reações
antes somente provocadas em eventos esportivos. O Tribunal do Júri
popularizou-se e, como todo conflito que envolva o Direito Penal atualmente,
virou produto, muitas vezes mais atrativo e acessado pelas redes virtuais do
que a maior festa popular brasileira: o carnaval.
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