Cultura

quarta-feira, 22 de maio de 2013

As dificuldades da insignificância no Direito Penal brasileiro



Criado pelos romanos sob o conceito “minimus non curat praeter” (do que é mínimo os tribunais não cuidam) e inicialmente utilizado no âmbito do Direito privado, o princípio da insignificância ganha contornos de importância para o Direito Penal na década de 70, no bojo do funcionalismo moderado do alemão Claus Roxin.

Estreitando as relações entre o Direito Penal e a Política Criminal, Roxin rompe com o ceticismo causal de Von Liszt e sustenta a inviabilidade de separação entre as duas matérias, devendo, nessa esteira, o operador da lei fazer uma espécie de interpretação restritiva do tipo, reconhecendo, em determinadas circunstâncias, a bagatela excludente da responsabilidade penal, como tem admitido nossa Suprema Corte em inúmeros julgados.

Dessa forma, a ideia propalada atualmente, principalmente pelos funcionalistas, é a de que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas incapazes de ofender, de forma relevante, o bem jurídico tutelado. Na modernidade, a preocupação, dentre outras coisas, precisa ser com a: a) proteção exclusiva do bem jurídico; b) preferência da atividade do jurista sobre a do legislador.

Quando o bem não precisa de proteção, não deve o Direito Penal se ocupar dele no caso concreto, mantendo-se nos parâmetros da intervenção mínima. Aqui, há um desapego à técnica jurídica que sucumbe face à falta de necessidade de atuação do Estado no exercício de seu jus puniendi. A lei, portanto, é apenas um ponto de partida, não necessariamente o ponto de chegada do intérprete.

Mas, ressalte-se, sua aplicação não é gracisosa, pelo contrário, reveste-se de excepcionalidade. Para que a insignificância seja aplicada como excludente da dimensão objetiva do fato típico é preciso observar requisitos ligados ao fato, atentando para a mínima ofensividade da conduta, a ausência de repercussão social, a inexpressividade da lesão, a falta de perigo social; e requisitos ligados às pessoas, tanto ao agente quanto à vítima.

Contudo, mesmo com bases sólidas, coerentes e maximizadoras de garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, conforme resumidamente procuramos demonstrar acima, a insignificância encontrou resistência em muitos juízes e tribunais brasileiros. O ranço positivista radical engessava aqueles que não enxergavam o Direito para além das normas postas expressamente no ordenamento, e a bagatela, para eles, padeceria deste mal.

A insistência doutrinária na possibilidade de adequação dos parâmetros lançados por Roxin em nosso Direito Penal, destacando-se em especial Eugênio Raul Zaffaroni (com sua tipicidade conglobante) e Luiz Flávio Gomes (com sua teoria constitucionalista do delito), dois dos mais influentes entre os penalistas brasileiros, acabou ganhando  força e se consolidando com o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal em inúmeros casos até aqui julgados.

Por fim, as divergências quanto à existência expressa ou não deste princípio em nosso Direito Posto, o que servia de argumento num primeiro momento para alguns conservadores positivistas, encontram-se superadas pelos argumentos já expostos, tendo em vista que esses novos paradigmas encontram arrimo na dignidade da pessoa humana e privilegiam a intervenção mínima.

Reconhece-se, entretanto, que ainda há certa dificuldade, e em alguns casos até divergências, quanto aos critérios de aplicação da insignificância. Questões sobre a reincidência e a reiteração criminosa, o valor sentimental do bem, os crimes tributários, entre outras situações de densa carga valorativa, ainda provocam consideráveis discussões nos tribunais e na doutrina penal.

Sem que tenhamos fórmulas prontas para a aplicação da insignificância, e assim deve ser o Direito, sempre suscetível ao dinamismo das relações sociais, mas intransigente na proteção de nossas garantias, finalizamos nossa exposição apontando para a importância das circunstâncias do caso concreto na resolução do conflito.

São essas particularidades, se bem observadas e confrontadas com os institutos jurídicos garantistas, que determinarão se o resultado desta tarefa, muitas vezes hercúlea do intérprete, se amolda a um substancial Estado Democrático de Direito.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito bom este assunto, realmente há dificuldade quanto aos critérios de aplicação da insignificância, por isso tanta discussão sobre o assunto. Amei o texto!. :)

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