Criado pelos romanos sob o conceito “minimus non curat praeter” (do que é mínimo os tribunais não cuidam)
e inicialmente utilizado no âmbito do Direito privado, o princípio da
insignificância ganha contornos de importância para o Direito Penal na década
de 70, no bojo do funcionalismo moderado do alemão Claus Roxin.
Estreitando as relações entre o
Direito Penal e a Política Criminal, Roxin rompe com o ceticismo causal de Von
Liszt e sustenta a inviabilidade de separação entre as duas matérias, devendo,
nessa esteira, o operador da lei fazer uma espécie de interpretação restritiva
do tipo, reconhecendo, em determinadas circunstâncias, a bagatela excludente da
responsabilidade penal, como tem admitido nossa Suprema Corte em inúmeros
julgados.
Dessa forma, a ideia propalada atualmente, principalmente
pelos funcionalistas, é a de que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas
incapazes de ofender, de forma relevante, o bem jurídico tutelado. Na
modernidade, a preocupação, dentre outras coisas, precisa ser com a: a) proteção
exclusiva do bem jurídico; b) preferência da atividade do jurista sobre a do
legislador.
Quando o bem não precisa de proteção, não deve o Direito
Penal se ocupar dele no caso concreto, mantendo-se nos parâmetros da
intervenção mínima. Aqui, há um desapego à técnica jurídica que sucumbe face à
falta de necessidade de atuação do Estado no exercício de seu jus puniendi. A lei, portanto, é apenas
um ponto de partida, não necessariamente o ponto de chegada do intérprete.
Mas, ressalte-se, sua aplicação não é gracisosa, pelo
contrário, reveste-se de excepcionalidade. Para que a insignificância seja aplicada
como excludente da dimensão objetiva do fato típico é preciso observar
requisitos ligados ao fato, atentando para a mínima ofensividade da conduta, a
ausência de repercussão social, a inexpressividade da lesão, a falta de perigo
social; e requisitos ligados às pessoas, tanto ao agente quanto à vítima.
Contudo, mesmo com bases sólidas, coerentes e maximizadoras
de garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, conforme
resumidamente procuramos demonstrar acima, a insignificância encontrou
resistência em muitos juízes e tribunais brasileiros. O ranço positivista
radical engessava aqueles que não enxergavam o Direito para além das normas
postas expressamente no ordenamento, e a bagatela, para eles, padeceria deste
mal.
A insistência doutrinária na possibilidade de adequação dos
parâmetros lançados por Roxin em nosso Direito Penal, destacando-se em especial
Eugênio Raul Zaffaroni (com sua tipicidade conglobante) e Luiz Flávio Gomes
(com sua teoria constitucionalista do delito), dois dos mais influentes entre
os penalistas brasileiros, acabou ganhando força e se consolidando com o
reconhecimento do Supremo Tribunal Federal em inúmeros casos até aqui julgados.
Por fim, as divergências quanto à existência expressa ou não
deste princípio em nosso Direito Posto, o que servia de argumento num primeiro
momento para alguns conservadores positivistas, encontram-se superadas pelos
argumentos já expostos, tendo em vista que esses novos paradigmas encontram
arrimo na dignidade da pessoa humana e privilegiam a intervenção mínima.
Reconhece-se, entretanto, que ainda há certa dificuldade, e
em alguns casos até divergências, quanto aos critérios de aplicação da
insignificância. Questões sobre a reincidência e a reiteração criminosa, o
valor sentimental do bem, os crimes tributários, entre outras situações de densa carga valorativa, ainda provocam consideráveis discussões
nos tribunais e na doutrina penal.
Sem que tenhamos fórmulas prontas para a aplicação da
insignificância, e assim deve ser o Direito, sempre suscetível ao dinamismo das
relações sociais, mas intransigente na proteção de nossas garantias,
finalizamos nossa exposição apontando para a importância das circunstâncias do
caso concreto na resolução do conflito.
São essas particularidades, se bem observadas e confrontadas
com os institutos jurídicos garantistas, que determinarão se o resultado desta
tarefa, muitas vezes hercúlea do intérprete, se amolda a um substancial Estado
Democrático de Direito.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom este assunto, realmente há dificuldade quanto aos critérios de aplicação da insignificância, por isso tanta discussão sobre o assunto. Amei o texto!. :)
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