Há,
portanto, todo um sistema jurídico mundialmente fomentado que nos permite
concluir ser a vida humana, no rol dos direitos humanos, o bem mais caro no âmbito
de um Estado Democrático de Direito, cujo reconhecimento é amplo, mas a
proteção tem se mostrado deficiente, como bem destacado e desenvolvido por
Bobbio em seu “A era dos direitos”.
Assim,
em razão das tensões sociais não dissolvidas pela ineficiência estatal, é possível
encontrarmos tentativas por parte do legislador populista de implantação de
políticas de mitigação que se voltam contra nossos direitos e garantias mais
básicas, sempre pautadas, é claro, por boas intenções (como aquelas que povoam
o inferno!).
Passeando
pela Constituição Federal, núcleo de validade de nosso sistema jurídico, vamos
encontrar no art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, de
nossa Constituição Federal, uma autorização, excepcional, à pena de
morte em casos de guerra declarada nos termos de seu
art. 84, XIX.
Assim, esta seria, não fosse o desejo desenfreado do legislador populista
(sedento pela simpatia e pelo voto dos incautos) de atender as cobranças
renitentes da população por mais Direito Penal, a única situação de autorização
direcionada diretamente ao Estado para a supressão de vida humana como forma de
pena. É essa, pelo menos, a única legitimada.
Mesmo diante dessa excepcionalidade expressa da pena de morte, é
preciso reconhecer que subrepticiamente, como já chamou a atenção parte da
doutrina penal, especialmente o professor Luiz Flávio Gomes, a Lei 9.614/98 instituiu
nova modalidade de pena de morte (e o que é por!), em caráter administrativo e sem
o devido processo legal, cuja execução fica a cargo da autorização do
Presidente da República.
Esta lei, que alterou o art. 303 do Código Brasileiro de
Aeronáutica (Lei 7.565/86), eufemisticamente previu, portanto, “medidas de
destruição” para aeronaves classificadas como hostis, que tenham infringido o
procedimento padrão delineado no já referido artigo.
Tal dispositivo de extermínio, ressalte-se, surgiu em virtude das
frequentes investidas de traficantes para transportar drogas pelo espaço aéreo
brasileiro, especialmente por sobre a Amazônia, próximo à fronteira com a Colômbia,
um dos maiores produtores e exportadores nessa seara.
Vê-se patente, com isso, a inconstitucionalidade na ampliação da
supressão da vida humana por (pasmem!) legislação infraconstitucional, o que se
reveste de completa falta de razoabilidade diante de um bem garantido
constitucionalmente.
Como bem destacado por Luciano Feldens e Lênio Luiz Streck em “Crime
e Constituição”, “o estabelecimento de crimes e penas não pode ser um ato
absolutamente discricionário, voluntarista ou produto de cabalas”, ou seja, é
preciso ter por fundamento a própria constituição que, nesse caso, não deixou
espaço para a ampliação da pena de morte.
Um pouco menos controversa neste aspecto, é a terceira modalidade de
pena de morte, mas desta feita, não mais contra pessoas físicas. O art. 24 da
Lei 9.605/98, a lei dos crimes ambientais, também prevê uma modalidade de pena
de morte, só que para pessoas jurídicas.
É
esse, por exemplo, o entendimento dos professores Silvio Maciel e Luiz Flávio
Gomes, em “Crimes ambientais”, onde destacam que pelo dispositivo já mencionado,
será decretada a liquidação forçada da empresa e seu patrimônio,
considerado instrumento do crime, como tal, perdido em favor do Fundo
Penitenciário Nacional, ou seja, resta decretada a morte da pessoa jurídica.
Nesse
caso, indicam os autores, haveria sintonia com o Pacto de São José da Costa
Rica em seu art. 4, cuja interpretação nos levaria a concluir que a pena de
morte só teria o rigor da proibição para pessoas físicas.
Por derradeiro, o fato é que vivemos momentos difíceis em matéria de consolidação das
conquistas históricas em direitos humanos. A cada crime bárbaro repercutido na
mídia, as ondas de mitigação (de retrocesso, diga-se) abalam as estruturas de
nosso Estado Democrático, sempre em nome da “segurança”, do “bem comum”, da “sociedade”,
bem assim como fizeram nazistas, fascistas e comunistas.
Os
discursos são sedutores, pois trazem soluções aparentemente definitivas (como a
pena de morte), e, na busca desesperada por soluções, somos tentados a abraçá-los,
assim como um dia o fizeram os alemães, os italianos e os russos. O resultado todos já sabemos!
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