Cultura

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Nossas três penas de morte executadas pelo Estado

Em nosso território é inegável a importância que o ordenamento, especialmente o constitucional, dá à vida humana. Como se não bastasse isso, o Brasil ainda é parte de diversos diplomas internacionais com os quais há o compromisso de preservá-la nas condições mais dignas possíveis.

Há, portanto, todo um sistema jurídico mundialmente fomentado que nos permite concluir ser a vida humana, no rol dos direitos humanos, o bem mais caro no âmbito de um Estado Democrático de Direito, cujo reconhecimento é amplo, mas a proteção tem se mostrado deficiente, como bem destacado e desenvolvido por Bobbio em seu “A era dos direitos”.

Assim, em razão das tensões sociais não dissolvidas pela ineficiência estatal, é possível encontrarmos tentativas por parte do legislador populista de implantação de políticas de mitigação que se voltam contra nossos direitos e garantias mais básicas, sempre pautadas, é claro, por boas intenções (como aquelas que povoam o inferno!).

Passeando pela Constituição Federal, núcleo de validade de nosso sistema jurídico, vamos encontrar no art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, de nossa Constituição Federal, uma autorização, excepcional, à pena de morte em casos de guerra declarada nos termos de seu art. 84, XIX.

Assim, esta seria, não fosse o desejo desenfreado do legislador populista (sedento pela simpatia e pelo voto dos incautos) de atender as cobranças renitentes da população por mais Direito Penal, a única situação de autorização direcionada diretamente ao Estado para a supressão de vida humana como forma de pena. É essa, pelo menos, a única legitimada.

Mesmo diante dessa excepcionalidade expressa da pena de morte, é preciso reconhecer que subrepticiamente, como já chamou a atenção parte da doutrina penal, especialmente o professor Luiz Flávio Gomes, a Lei 9.614/98 instituiu nova modalidade de pena de morte (e o que é por!), em caráter administrativo e sem o devido processo legal, cuja execução fica a cargo da autorização do Presidente da República.

Esta lei, que alterou o art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86), eufemisticamente previu, portanto, “medidas de destruição” para aeronaves classificadas como hostis, que tenham infringido o procedimento padrão delineado no já referido artigo.

Tal dispositivo de extermínio, ressalte-se, surgiu em virtude das frequentes investidas de traficantes para transportar drogas pelo espaço aéreo brasileiro, especialmente por sobre a Amazônia, próximo à fronteira com a Colômbia, um dos maiores produtores e exportadores nessa seara.

Vê-se patente, com isso, a inconstitucionalidade na ampliação da supressão da vida humana por (pasmem!) legislação infraconstitucional, o que se reveste de completa falta de razoabilidade diante de um bem garantido constitucionalmente.

Como bem destacado por Luciano Feldens e Lênio Luiz Streck em “Crime e Constituição”, “o estabelecimento de crimes e penas não pode ser um ato absolutamente discricionário, voluntarista ou produto de cabalas”, ou seja, é preciso ter por fundamento a própria constituição que, nesse caso, não deixou espaço para a ampliação da pena de morte.

Um pouco menos controversa neste aspecto, é a terceira modalidade de pena de morte, mas desta feita, não mais contra pessoas físicas. O art. 24 da Lei 9.605/98, a lei dos crimes ambientais, também prevê uma modalidade de pena de morte, só que para pessoas jurídicas.

É esse, por exemplo, o entendimento dos professores Silvio Maciel e Luiz Flávio Gomes, em “Crimes ambientais”, onde destacam que pelo dispositivo já mencionado, será decretada a liquidação forçada da empresa e seu patrimônio, considerado instrumento do crime, como tal, perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional, ou seja, resta decretada a morte da pessoa jurídica.  

Nesse caso, indicam os autores, haveria sintonia com o Pacto de São José da Costa Rica em seu art. 4, cuja interpretação nos levaria a concluir que a pena de morte só teria o rigor da proibição para pessoas físicas.
Por derradeiro, o fato é que vivemos momentos difíceis em matéria de consolidação das conquistas históricas em direitos humanos. A cada crime bárbaro repercutido na mídia, as ondas de mitigação (de retrocesso, diga-se) abalam as estruturas de nosso Estado Democrático, sempre em nome da “segurança”, do “bem comum”, da “sociedade”, bem assim como fizeram nazistas, fascistas e comunistas.

Os discursos são sedutores, pois trazem soluções aparentemente definitivas (como a pena de morte), e, na busca desesperada por soluções, somos tentados a abraçá-los, assim como um dia o fizeram os alemães, os italianos e os russos. O resultado todos já sabemos!

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