Cultura

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Algo está errado: imprensa é mais confiável que o judiciário?

Numa sociedade como a nossa, orientada por princípios democráticos, a existência de instituições oficiais fortes, bem estruturadas, respeitadas e eficazes, reveste-se de uma importância singular. São elas que garantem as conquistas históricas até aqui observadas.

Quando o Estado, por suas ramificações, funciona nos limites do que está encartado em nossa Lei Maior, não há outra consequência senão a promoção de justiça social. É esse, portanto, o ingrediente mais significativo no combate às desigualdades, ao preconceito, à intolerância e, por consequência, à crescente criminalidade.

Nesse delicado papel, de gestor não apenas das normas, mas, sobretudo, de expectativas sociais, notadamente sobressai-se o ente a quem entregamos o poder de dar a “última palavra” em eventuais conflitos: o Judiciário.

Contudo, se falta credibilidade, por uma série de deficiências, no órgão garantidor das garantias, no dizer do mestre italiano Ferrajoli, ou seja, no templo guardião de nossos direitos, é sinal de que a democracia padece sorrateiramente. Vivemos, assim, sob a égide de uma democracia formal, reconhecida apenas no papel.

Desde 2008 pesquisas realizadas em diversos estados brasileiros ganham notoriedade nos grandes meios de comunicação apontando o grau de credibilidade das instituições públicas para sociedade e, obviamente, destacando a boa colocação da imprensa frente às mesmas.

Traduzindo: as informações transmitidas pela imprensa de um modo geral, têm mais chances de serem tomadas como verdadeiras e corretas do que uma decisão judicial, crivada pelo devido processo legal, pela ampla defesa, pelo contraditório e seus consectários.

Assusta-nos é a sutileza com que boa parte da grande mídia age neste processo de enfraquecimento das instituições do Estado. Como bem salientou a professora Alice Bianchini outro dia em sala de aula, as reportagens, na maioria das vezes, não citam a pena mínima do crime, ponto de partida obrigatório para o magistrado. Só se fala da pena máxima, desta forma, como dificilmente alguém é condenado à pena máxima, pelas garantias que existem, quando o sujeito é condenado bem próximo da mínima, a sociedade, que emocionalmente cobra sempre a máxima, fica frustrada, gerando sensação de impunidade e leniência.

Mas nossa preocupação não deve se conter a isso. Quais as reações das autoridades constituídas diante desse grave disparate? Seria uma análise crítica voltada para a melhoria das estruturas arcaicas e excessivamente burocráticas? Decididamente não! A solução mais empregada pode-se resumir em uma só palavra: Populismo!

É assim que, na maioria dos casos, revidam algumas autoridades diante do problema. Fórmula simples, baseada na retórica, que se bem manuseada, surte os efeitos desejados: encontram braços fraternos, aconchegantes, solidários, oferecidos por incautos, que, por sua vez, difundem, propagam, dão eco, apaixonam-se pela “causa”. É o casamento perfeito entre a ingenuidade (dos que propagam) e a má-fé (dos que propõem fórmulas populistas).

Aqui mesmo neste espaço temos insistentemente alertado para os perigos desses movimentos que rondam as bases de nossa jovem democracia, como também temos destacado a necessidade de mudança de paradigmas, mentais e estruturais.

Saltam aos olhos os defeitos que nossas instituições possuem (inclusive o judiciário) e, pela mentalidade e estrutura persistentes, acabam fomentando a perpetuação dos mesmos. É preciso cobrar sim, com veemência se preciso, mudança de rumo, de atitude, de postura, desde que seja, evidentemente, para promover uma maior aproximação com os princípios democráticos citados no início, pois somente desta forma estaremos exercendo uma verdadeira democracia substancial, fortalecendo as instituições e, consequentemente, nossas valiosas garantias.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A vulnerabilidade social como garantia fundamental na análise do delito



Ao longo da história, a relação entre o crime e o castigo é ponto de constantes discussões entre expoentes das mais variadas searas. Na dogmática penal, na filosofia, na política, na sociologia, enfim, incontáveis são as teses sobre a fundamentação e a necessária ligação entre ambos os institutos.

Mesmo diante de tantas ideias, convencionou-se que fica a cargo do Estado, tomando por base a perspectiva democrática, por força do contrato social e com a óbvia participação popular, o papel de construir mecanismos que tornem o campo social menos fértil para o cometimento de infrações, evitando-se, assim, a aplicação das desagradáveis reprimendas oficiais.

Essa hercúlea tarefa estatal, grosso modo, pode-se traduzir como consistente na realização de condutas afirmativas e otimizadoras dos direitos fundamentais, que buscam uma sociedade mais justa, calcada, por exemplo, nos ideais da Revolução Francesa, ou seja, no respeito às liberdades, à solidariedade e à igualdade.

É nesse panorama de responsabilidades compartilhadas e de existência de garantias (limites) na tarefa de buscar essa sociedade ideal, que surge a discussão acerca do princípio da vulnerabilidade.

A vulnerabilidade, por sua vez, assume nítida função de garantia no âmbito de reprovabilidade do injusto, devendo interferir na culpabilidade, além de poder reforçar com senso de justiça as circunstâncias de graduação da pena do agente.

Sobre isso, importa-nos destacar as lições, que nos guiam neste ensaio, do mestre argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, idealizador da tese da vulnerabilidade como parte do reconhecimento do Estado de sua mea culpa, das consequências incômodas de suas deficiências enquanto gestor das expectativas sociais.

Temos inegavelmente a obrigação primária de seguir o Direito Posto, as regras de comportamento que ajudam a fomentar a paz social, a estabilidade, a tranquilidade no ambiente em que vivemos, mas mais do que nós, cidadãos comuns, tem o Estado essa responsabilidade, e quando dela se furta ou se descuida, em qualquer área (saúde, educação e segurança, por exemplo) produz tensões capazes de desaguar em infrações penais.

Dessa forma, a ausência (ou deficiência estrutural) do poder público (nos três níveis), muito comum no Brasil, diga-se de passagem, acaba fazendo surgir bolsões de vulnerabilidade, repleto de cidadãos inconformados, incomodados ou no mínimo desconfortáveis com a (falta de) atenção dispensada aos seus problemas mais elementares pelas autoridades constituídas.

Não esqueçamos que, evidentemente, o problema tende a se agravar quando nos deparamos com o modelo moderno de sociedade fomentado pelas grandes mídias (a próposito, veículos imprescindível para as multinacionais adoradoras do consumismo), em que se apresentam produtos que resolvem quase tudo na vida das pessoas, mas que na verdade, não acrescentam absolutamente nada.

Ironicamente, é justamente a classe mais desprestigiada pelo Poder Público nas suas obrigações mais comezinhas, a mais “selecionada” pelos órgãos de repressão. Muito embora nós tenhamos assistido nos últimos anos uma mudança de paradigma, com membros de classes mais abastadas e proeminentes da sociedade, especialmente políticos, figurando como alvo de operações policiais, muitas vezes exibidos como troféus através da mídia (que faz do crime produto), como símbolos de um Estado em vias de desespero tentando aplacar o sentimento crescente de insegurança, pois como bem lembra Eduardo Galeano “cada vez que um delinquente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta”.

Por fim, a teoria da vulnerabilidade, em termos simples, busca efetivar garantias irradiadas pela dignidade da pessoa humana, fundamento de qualquer democracia, na medida em que orienta o Estado-Juiz a avaliar não apenas o texto legal ou dogmático, mas, sobretudo, o contexto social em que estava imerso o agente ao praticar o ato de aparente rebeldia.

Contudo, nada mais oportuno do que cobrar que aqueles que padecem das reiteradas deficiências ou ausências dos poderes constituídos e que, por consequência, integram esses “campos de vulnerabilidade”, sejam considerados na medida desta desigualdade.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Albert Einstein e sua influência no Direito Penal

O final do século XIX representa um divisor de águas para a história do Direito Penal moderno. Até então, as escolas que se dedicavam a definir e a estudar a estrutura do delito ainda eram muito incipientes, ou seja, não apresentavam um sistema suficientemente capaz de abarcar grande parte das problemáticas que envolvem a matéria. Firma-se na Alemanha, portanto, nessa época, como referência desse momento ímpar, a chamada escola causalista.

Buscando explicar o Direito Penal e a conduta humana através das bases naturalistas (tais como a física, química, biologia, enfim), supondo-se mais objetividade, confiabilidade e segurança, um dos grandes expoentes desse paradigmático movimento foi, sem dúvida, Franz Von Liszt, que, vivenciando uma atmosfera em que as ciências do “ser” impregnavam o jeito de explicar o mundo, utilizava como parâmetro de sua teoria do delito as leis da causa e do efeito.

A percepção do mundo é cíclica, como sabemos, ou seja, os paradigmas que influenciam na forma como as pessoas interpretam os fenômenos com os quais tomam contato na sociedade se renovam de tempos em tempos. Novos comportamentos, novas descobertas científicas, enfim, novas formas de ver o mundo nos são apresentadas ao longo dos séculos.

Contudo, cada tempo tem a sua maneira de enxergar o mundo, assim, para as pessoas da época (os causalistas especialmente), a ciência era capaz de produzir verdades universais, que deveriam guiar o Direito Penal a um porto seguro e confiável, alheio ao subjetivismo.

Explicava-se praticamente tudo, àquela época, como dissemos, com base na lei da causa e do efeito. Então, Liszt, como jurista, é um dos grandes responsáveis por essa aproximação do Direito Penal com as bases das ciências naturais. Processo exaustiva e magistralmente explicitado pelo professor Fábio André Guaragni em sua obra “Teorias da Conduta”, lançada pela editora Revista dos Tribunais.

Essa assepsia de subjetividade na análise da estrutura do delito passou a incomodar, por exemplo, aos que não encontravam respostas satisfatórias sobre os institutos da tentativa e da omissão, o que acaba por provocar o início da derrocada da ideia dessa neutralidade típica dos causalistas.

É nesse cenário discursivo, de plena ebulição teórica, que nos valemos da genialidade do físico alemão Albert Einstein pra destacar que, com sua ideia de teoria da relatividade, difundida a partir de 1905, esfacelava-se a física tradicional, ou seja, as bases tidas como extremamente confiáveis, produtoras de verdades até então inabaláveis (como as concepções tradicionais de tempo e de espaço) estavam desmoronando, sendo postas à prova.

Nessa esteira, as teses naturalistas e, consequentemente causalistas, sofreram duros golpes, pois seus principais atrativos eram bombardeados por críticas de difícil refutação. Essas bases não eram mais tão confiáveis como aparentavam ser.

Diante disso, no campo do Direito Penal, a necessidade de se deixar influenciar pelo mundo do “dever ser” passou à ordem do dia na estruturação do delito. Frank, Freudenthal, Goldsmith, Mezger, dentre outros, encarregaram-se, influenciados pelas ideias de Kant, cada um a seu modo, de ressaltar a importância da valoração nessa construção teórica, ainda hoje em franca evolução.

O fato é que coube a Einstein relativizar os parâmetros mais significativos da física, um dos ramos mais destacados das ciências naturais, venerada pelos causalistas, ajudando, por tabela, na mudança de paradigma sobre o conceito e os substratos constitutivos do delito.

Não é por acaso que o nome deste admirável cientista, com o passar dos tempos, vem sendo associado ao sinônimo de gênio, pois o conjunto de sua obra impactou não apenas a física, foi muito além, como pudemos perceber nessa apertada e superficial análise.