Não se exige muito esforço acadêmico
para sustentar que a liberdade é um daqueles bens alçados à categoria de
fundamentais para a humanidade. Foi, inclusive, a pedra angular daquela que se
consagrou como a mais destacada revolução da história: a revolução francesa
(que não me leiam os partidários de Edmund Burke!).
São muitas as variações da liberdade (de
crença, de expressão, de pensamento, enfim), mas, para efeito deste ensaio,
vamos nos ater ao direito de ir, vir e permanecer, ou seja, à liberdade
ambulatorial. Exercê-la, no entanto, mesmo em uma democracia, tem sido tarefa
das mais complicadas. É sobre ela que a efetivação das políticas de segurança
reflete direta e incisivamente.
Como sabemos, por força de nossa
Constituição Federal (art.144), a responsabilidade sobre a segurança pública
recai sobre o Estado, partilhada entre governo federal e os estados federados
de acordo com os bens afetados e os respectivos interesses.
Não obstante essa previsão, o Brasil,
desde o início da década de 1970, permite oficialmente o funcionamento de
segurança privada. Atualmente o serviço é regulado pela Lei n°. 7.102, de 20 de junho de 1983.
Vigilância patrimonial, transporte de
valores, escolta armada, segurança pessoal, entre outras
atividades relacionadas já são serviços com contingente humano superior ao de
segurança pública. Os dados, colhidos da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
realizada em 2005, revelam um crescimento assustador do setor em nosso
território, cuja aceleração acentuada se identifica a partir da década de 1990.
São cerca de 1.648.570 de pessoas
envolvidas em atividades de segurança direta ou indireta, computando-se formais
e informais. Dados da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte
de Valores (Fenavist) registram oficialmente mais de 557,5 mil vigilantes
efetivamente em atuação só em 2005.
Enquanto a segurança privada avançou (e
avança!) meteoricamente desde seu surgimento, o Estado praticamente permaneceu
inerte neste setor diante da avalanche de criminalidade, importando-se apenas
no recrudescimento das previsões penais. Como se o problema fosse a legislação
penal e processual penal e não a precariedade da estrutura que as operam.
Dessa forma, uma análise ainda que
superficial, denuncia a disparidade de crescimento entre os setores. Para se
ter uma idéia, em 2005, segundo informa o sítio virtual do Ministério da
Justiça, havia 574,6 mil profissionais de segurança pública, entre policiais
militares, civis e bombeiros.
Só com esses números, já é possível
afirmar, em termos meramente quantitativos, a superioridade do setor privado
(em franca expansão) sobre o setor público nessa área de proteção de um direito
fundamental como a liberdade ambulatorial e a própria vida.
Uma avaliação mais aprofundada pode ser
encontrada no artigo do professor André Zanetic, veiculado na revista
brasileira de segurança pública, ano 3, edição 4, de março/abril de 2009, de
onde retiramos alguns dos números apresentados.
Diante dos problemas que se apresentam,
da ineficiência no combate às causas da criminalidade, do sucateamento
estrutural, da falta de integração e capacitação dos aparelhos de segurança
pública frente à criminalidade organizada, é crescente a tese de privatização
de diversos setores dessa área. O célebre exemplo pode-se encontrar no modismo
americano de privatização de presídios que tem se implantado aos poucos no
Brasil.
Se essa é a solução para finalmente se
respeitar direitos e garantias constitucionais, ainda não se tem consenso, mas,
levando-se em conta a experiência americana dos presídios, a resposta parece
ser negativa. Lá, como cá, também ocorrem abusos, como aponta Loïc Wacquant em seu
“prisões da miséria”, sobretudo quando o sistema visa o lucro.
O fato é que o Estado
tem contado sim com uma quantidade surpreendente de dinheiro privado no combate
à criminalidade. Isso sem computar despesas cada dia mais freqüentes com cercas
elétricas e câmeras de vigilância, como ingredientes importantes para a
prevenção de ataques aos bens alheios.
Já é, portanto, o
cidadão, que além de contribuir através dos tributos que paga, e financia todo
esse sistema privado de segurança, quem tem amenizado os efeitos da
ineficiência estatal nessa seara.
Cabe, agora, ao Estado
brasileiro, mudar sua mentalidade arcaica de operar a segurança pública,
profissionalizar-se, colher e gerir melhor as informações, sistematizar as
ações com outras áreas da administração e, especialmente, qualificar, valorizar
e motivar o seu mais valioso ingrediente: o material humano, responsável pelo
funcionamento de toda essa complexa engrenagem.
Se assim não for,
continuaremos com os mesmos problemas, “enxugando gelo”, como diz o ditado.
Continuaremos com uma segurança (teoricamente) pública sendo exercida (pratica
e substancialmente) por entes privados.