Ao Estado, como sabemos, cabe a tutela da paz pública, o
monopólio do Direito Penal e Processual Penal, a responsabilidade de fomentar e
manter a harmonia, a ordem e o respeito mútuo no tecido social.
Não custa lembrar uma vez mais, como temos feito
insistentemente neste espaço, que com os índices alarmantes da violência em
nosso território, é natural a busca por soluções imediatistas e relativamente
simples de serem postas em prática, sobretudo quando não demandam mudanças
estruturais no arcaico e viciado aparelho estatal brasileiro.
Afinal, mudanças estruturais, de rumo mesmo, de foco, de
prioridades, com a implantação de uma política séria de combate às causas da
criminalidade se traduziriam em inconvenientes gastos, cujos resultados
certamente não viriam a atender as pretensões eleitoreiras ao final de quatro
anos.
Estimular a participação popular nesse processo de combate à
criminalidade é salutar e adequado a um Estado Democrático de Direito. Temos,
de fato, responsabilidade com a construção de uma sociedade ideal, considerando-se,
inclusive, que somos todos participantes do mesmo contrato social.
Mas a lógica que muitas autoridades (algumas atraídas pelo
discurso fácil e sedutor aos ouvidos de eleitores incautos, ávidos por
fórmulas prontas) e líderes de organismos privados (alguns afetados por traumas
vivenciados em família, vítimas ainda atordoadas diante dos males produzidos
pelo que hoje combatem) procuram implantar no senso comum é, no mínimo,
incoerente.
É cômoda para muitos governantes a construção da tese de que a
devolução da arma de fogo que está com o cidadão de bem é o que vai fazer
“virar o jogo” contra a criminalidade. A admirável insistência no argumento,
digna da escola Goebbelsiana, insere,
de certa forma, no imaginário popular que o problema não está na falta de
sintonia e na precariedade dos aparelhos de segurança pública frente ao poderio do crime organizado, mas no cidadão de bem que possui
a arma para a utilização em casos extremos, como a proteção de sua família.
Partem de
fatalidades, de casos particulares que comovem (como a morte negligenciada de
crianças), para o geral. Querem nos fazer ver a exceção como a regra. Como os
adeptos do positivismo criminológico, analisam os casos práticos mais notáveis,
mas esquecem-se dos milhares de outros exemplos que não são convenientes à
pesquisa.
É realmente a arma de
fogo o problema da criminalidade crescente? Seria, então, o veículo o problema
das alarmantes mortes no trânsito? O dinheiro, por sua vez, a causa para o
aumento do tráfico de drogas, já que ninguém a fornece gratuitamente? Se
respondermos positivamente, por coerência e lógica, devemos fazer campanhas
para que entreguem não apenas as armas, mas seus veículos, seu dinheiro, enfim,
assim daríamos um “golpe” fantástico, com uma redução abismal, nos números
desagradáveis.
Não negamos que a
arma de fogo figure como um dos ingredientes da criminalidade, parece-nos
evidente que sim, mas não pela arma solitariamente. Há sempre alguém a puxar o
gatilho, como sempre haverá alguém guiando um veículo, usando o seu dinheiro
para inúmeras finalidades! Não estaria aqui o problema?! No ser humano! É justamente por isso que existem regras, procedimentos rígidos, para que
um cidadão possua legitimamente uma arma de fogo.
Estudo divulgado
pelas Nações Unidas em 2011 (veja link aqui mesmo no blog) aponta que há
uma relação clara entre crime e desenvolvimento. Os países com grandes
disparidades nos níveis de renda estão quatro vezes mais sujeitos a serem
atingidos por crimes violentos do que em sociedades mais equitativas, ou seja,
nosso problema, portanto, o nosso foco, é a falta de políticas que combatam
essas desigualdades.
Dessa forma, faço aqui, uma crítica franca, honesta, serena,
endereçada apenas aos apaixonados pela causa do desarmamento como se a mesma
fosse a panaceia de todos os nossos problemas na área de segurança pública. Antes
de “exigirmos” que as pessoas entreguem suas armas, peçamos que elas mesmas se
entreguem na construção de um país mais justo, escolhendo bons representantes
que priorizem o combate às causas dessas gritantes desigualdades sociais.
A criminalidade é um fenômeno social que, por razões óbvias,
somente se transforma pela ação do próprio homem e não pela simples existência
de instrumentos potencialmente lesivos em suas mãos. O bom homem, sem que lhe
tenham dado justos motivos, jamais se utilizará de uma arma de fogo. E nesse
aspecto, o Estado tem papel fundamental, reduzindo as tensões provocadas por
sua ausência em diversas áreas de sua responsabilidade.