Cultura

sábado, 18 de janeiro de 2014

Segurança Pública brasileira: uma privatização disfarçada

Não se exige muito esforço acadêmico para sustentar que a liberdade é um daqueles bens alçados à categoria de fundamentais para a humanidade. Foi, inclusive, a pedra angular daquela que se consagrou como a mais destacada revolução da história: a revolução francesa (que não me leiam os partidários de Edmund Burke!).

São muitas as variações da liberdade (de crença, de expressão, de pensamento, enfim), mas, para efeito deste ensaio, vamos nos ater ao direito de ir, vir e permanecer, ou seja, à liberdade ambulatorial. Exercê-la, no entanto, mesmo em uma democracia, tem sido tarefa das mais complicadas. É sobre ela que a efetivação das políticas de segurança reflete direta e incisivamente.

Como sabemos, por força de nossa Constituição Federal (art.144), a responsabilidade sobre a segurança pública recai sobre o Estado, partilhada entre governo federal e os estados federados de acordo com os bens afetados e os respectivos interesses.

Não obstante essa previsão, o Brasil, desde o início da década de 1970, permite oficialmente o funcionamento de segurança privada. Atualmente o serviço é regulado pela Lei n°. 7.102, de 20 de junho de 1983.

Vigilância patrimonial, transporte de valores, escolta armada, segurança pessoal, entre outras atividades relacionadas já são serviços com contingente humano superior ao de segurança pública. Os dados, colhidos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, realizada em 2005, revelam um crescimento assustador do setor em nosso território, cuja aceleração acentuada se identifica a partir da década de 1990.

São cerca de 1.648.570 de pessoas envolvidas em atividades de segurança direta ou indireta, computando-se formais e informais. Dados da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) registram oficialmente mais de 557,5 mil vigilantes efetivamente em atuação só em 2005.

Enquanto a segurança privada avançou (e avança!) meteoricamente desde seu surgimento, o Estado praticamente permaneceu inerte neste setor diante da avalanche de criminalidade, importando-se apenas no recrudescimento das previsões penais. Como se o problema fosse a legislação penal e processual penal e não a precariedade da estrutura que as operam.

Dessa forma, uma análise ainda que superficial, denuncia a disparidade de crescimento entre os setores. Para se ter uma idéia, em 2005, segundo informa o sítio virtual do Ministério da Justiça, havia 574,6 mil profissionais de segurança pública, entre policiais militares, civis e bombeiros.

Só com esses números, já é possível afirmar, em termos meramente quantitativos, a superioridade do setor privado (em franca expansão) sobre o setor público nessa área de proteção de um direito fundamental como a liberdade ambulatorial e a própria vida.

Uma avaliação mais aprofundada pode ser encontrada no artigo do professor André Zanetic, veiculado na revista brasileira de segurança pública, ano 3, edição 4, de março/abril de 2009, de onde retiramos alguns dos números apresentados.

Diante dos problemas que se apresentam, da ineficiência no combate às causas da criminalidade, do sucateamento estrutural, da falta de integração e capacitação dos aparelhos de segurança pública frente à criminalidade organizada, é crescente a tese de privatização de diversos setores dessa área. O célebre exemplo pode-se encontrar no modismo americano de privatização de presídios que tem se implantado aos poucos no Brasil.

Se essa é a solução para finalmente se respeitar direitos e garantias constitucionais, ainda não se tem consenso, mas, levando-se em conta a experiência americana dos presídios, a resposta parece ser negativa. Lá, como cá, também ocorrem abusos, como aponta Loïc Wacquant em seu “prisões da miséria”, sobretudo quando o sistema visa o lucro.

O fato é que o Estado tem contado sim com uma quantidade surpreendente de dinheiro privado no combate à criminalidade. Isso sem computar despesas cada dia mais freqüentes com cercas elétricas e câmeras de vigilância, como ingredientes importantes para a prevenção de ataques aos bens alheios.

Já é, portanto, o cidadão, que além de contribuir através dos tributos que paga, e financia todo esse sistema privado de segurança, quem tem amenizado os efeitos da ineficiência estatal nessa seara.

Cabe, agora, ao Estado brasileiro, mudar sua mentalidade arcaica de operar a segurança pública, profissionalizar-se, colher e gerir melhor as informações, sistematizar as ações com outras áreas da administração e, especialmente, qualificar, valorizar e motivar o seu mais valioso ingrediente: o material humano, responsável pelo funcionamento de toda essa complexa engrenagem.

Se assim não for, continuaremos com os mesmos problemas, “enxugando gelo”, como diz o ditado. Continuaremos com uma segurança (teoricamente) pública sendo exercida (pratica e substancialmente) por entes privados.

Um comentário:

  1. Nobre amigo, é notável que vivemos atualmente numa sociedade que é manipulada por aqueles que possuem o poder econômico. O fato de vermos o aumento exorbitante da segurança privada em detrimento da segurança pública, penso eu, que está diretamente ligada ao fato de que nossas autoridades (falo aqui do executivo, legislativo, judiciário e a própria força de segurança) é a principal responsável por esse problema discorrido em seu texto.
    Acompanhe meu raciocínio, você tem uma segurança privada onde na sua grande maioria, não posso afirmar que são todos nem tão poucos, pois não tenho dados oficiais sobre o que vou falar, é exercida por ex-policiais ou até mesmo políticos que abrem dezenas empresas de segurança para garantir a uns poucos cidadãos que tenham condições de pagar por uma proteção que deveria ser dada exclusivamente pelo Estado. Dessa forma os, digamos, responsáveis por estabelecer a ordem social estão sendo beneficiados diretamente pela própria situação em que se encontra nossa segurança pública e relativamente não há interesse nenhum em reverter essa situação.

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