Por influência da obra de Michel Foucault (Vigiar e
punir), fomos buscar em um dos maiores expoentes da literatura mundial a
inspiração para a titulação deste nosso artigo. É do italiano Dante Alighieri a obra que nos servirá de pano de
fundo para uma síntese modesta do famoso ato patriótico norte-americano (ou USA
Patriot Act), assinado em outubro de 2001, pelo presidente George W. Bush.
Logo após os
atentados terroristas de 11 de setembro do mesmo ano, ainda inebriados pelo
impacto dos acontecimentos, congressistas americanos, incitados pelo Executivo,
iniciaram os debates sobre a necessidade de medidas enérgicas com duas
finalidades: punir os responsáveis exemplarmente e evitar novas agressões.
O resultado dessa
movimentação norte-americana, que contou com expressivo apoio popular, para
resgatar sua autoestima, um de seus bens mais importantes, pode também, assim
como os atentados, ter deixado “vítimas” inocentes. O ato patriótico, dessa forma, vigente
ainda hoje, tirou o brilho de um dos documentos mais importantes não apenas da
história do país, mas da humanidade: sua Constituição.
Aprovada em 1787 na Filadélfia, a Constituição norte-americana
é citada por cerca de oito entre dez juristas, quando o assunto é democracia e marco
na proteção dos direitos humanos. A agressão concretizada por Bush, calorosamente
aplaudida pelo povo ainda atordoado pelo forte sentimento de vingança, aos
princípios democráticos e muito especialmente à dignidade humana, amparados
pela Constituição, refaz, em certa medida, o cenário tão bem descrito por
Alighieri no inferno de sua Divina Comédia.
Em sua “guerra contra o terror”, a legislação patriótica
norte-americana privilegia um afrouxamento de garantias incompatível com um
Estado Democrático de Direito. Tortura, prisão sem motivo aparente, sem processo e sem julgamento,
execução sumária, invasão de domicílio por ato discricionário da autoridade, interceptação
telefônica facilitada, confisco de valores, invasão eletrônica, inaplicabilidade
de tratados sobre direitos humanos, entre outras coisas, estão entre as
providências adotadas, que, na prática, traz a tona o ultrapassado Direito
Penal do Inimigo, uma espécie de releitura moderna da lei de Talião.
O terrorista não é um delinquente qualquer, é o inimigo
do Estado, e contra ele vale suplantar qualquer garantia, descendo as
autoridades constituídas ao submundo por onde transitam todos os eles, sem se
preocuparem com as leis, nem mesmo com a Constituição, pois o que importa mesmo
nesse patamar é a utilização de todos os instrumentos disponíveis para a
eliminação do inimigo e alcançar a vitória na “guerra”.
Nessa mesma esteira são as lições do professor Marcelo
Neves em seu “Transconstitucionalismo”, quando afirma que nesses casos, “não só
se supera a política em nome da ´guerra`, mas suspende-se internamente o
constitucionalismo e a rule of law em nome da guerra ao ´inimigo combatente`.”
O souvenir mais representativo dessa fase da legislação
norte-americana é a prisão de Guantánamo, localizada na ilha de Cuba, para onde,
em 2002, mandaram os primeiros combatentes da Al-Qaeda presos no Afeganistão. De
lá para cá, Guantánamo tem recebido diversas pessoas sob suspeita de
participarem de organizações terroristas, sendo um local praticamente impenetrável
para entidades internacionais de proteção aos direitos humanos.
Hoje, cerca de 50 presos em Guantánamo, muitos sem
qualquer acusação formalizada ainda, estão em greve de fome, cobrando o fim da
odisseia infernal legitimada pelo ato patriótico a que foram submetidos nos
porões da prisão.
Mesmo com os métodos inquisitivos de investigação
implantados, a nação mais poderosa do mundo, mais de dez anos após o fatídico
11 de setembro, continua em alerta máximo contra organizações terroristas
dentro e fora do país. O povo norte-americano vê-se estimulado a um estado
constante de paranoia. Será mesmo esse o método correto para a superação do
trauma?
Voltar-se para o esvaziamento de garantias é sempre a
primeira de uma série de medidas de muitas autoridades que são recepcionados nos
braços da sociedade com fórmulas mágicas para resolver problemas em segurança
pública. Mas isso resolve?
Esse caminho tortuoso assemelha-se com o tomado por Dante,
personagem da “Divina Comédia”, que quando atravessa o portão do inferno, encontra
a inscrição "deixai toda esperança, ó vós que entrais aqui". Tomando de empréstimo algumas das lições de Aquino, não
haveremos, portanto, de colher bons frutos se alimentarmos árvores ruins como essas que trazem sombras aos direitos humanos.
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