A organização e realização de espetáculos midiáticos que
colocam no centro das atenções algum indivíduo objeto da investigação estatal
não é novidade para o mundo, muito embora observemos com maior frequência
modernamente no Brasil.
Vivenciamos uma reedição, revestida de aparente
constitucionalidade, das famosas arenas romanas, mais comedidas, é claro, mas
com sub-reptícia forma de atingir a dignidade humana.
O fato é que, a popularização do processo de investigação
criminal transformou-se em rentável produto a diversos setores da mídia, que,
muitas vezes, não se contentam em dar o fato, mas constroem suas versões,
valoram as provas e proferem o veredito.
Tais métodos apresentam especial preocupação diante de uma
população que, em geral, tem preguiça de pensar, de raciocinar, de elaborar
suas próprias teses, ou seja, padecemos, volto a frisar, de um modo geral, de
crônica falta de senso crítico e investigativo. Sob essa perspectiva, a
apresentação de fórmulas prontas, seduz facilmente aos desavisados.
É inegável que a existência de um Estado Democrático de
Direito, como previsto em nossa Constituição, pressupõe uma quantidade
considerável de liberdades, dentre elas, a de expressão e informação. Assim
como também não se pode negar que um processo de investigação criminal nesse
mesmo Estado deve ter como regra a publicidade.
Por outro lado, tal Estado Democrático de Direito não se faz
com garantias absolutas, inflexíveis, inexoráveis. O dinamismo das relações
sociais nos apresenta constantemente colisões entre garantias fundamentais. Essas
colisões, como sugere um dos mais influentes juristas alemães da atualidade, Robert Alexy, em sua “Teoria dos
Princípios”, devem se resolver por sopesamentos ou ponderações.
Nesses casos, temos as liberdades de expressão e informação,
cumulada com a regra da publicidade da investigação, frente à dignidade da
pessoa humana e, mais especificamente, a presunção de inocência. O imenso aparato midiático com os fundamentos já citados e o
investigado com suas garantias se contrapõem. A
prevalência de um sobre o outro está vinculada aos limites do exercício desses direitos fundamentais no caso concreto.
Por certo, a espetacularização, com a construção implícita
(quando não explícitas) de teses, na maioria das vezes desfavoráveis ao investigado,
com a divulgação de protestos e cobranças sociais juridicamente
descomprometidas, além de trechos descontextualizados de gravações ou outras
provas desfavoráveis, extrapola e muito, os limites das garantias já expostas,
que justificariam o trabalho da imprensa, atingindo, portanto, a dignidade
humana e a presunção de inocência.
Um dos mais abalizados processualistas da nova geração,
Gustavo Henrique Badaró, em seu “Direito Processual Penal”, publicado pela
Elsevier em 2008, quando trata das garantias processuais e o sistema
acusatório, é enfático ao afirmar que “o segredo é um mal que desnatura o
processo, também é preciso tomar cuidado com a exasperação da publicidade
processual. O strepitus fori pode
causar danos irreparáveis o acusado e às vítimas. O forte sensacionalismo pode
levar a um seriíssimo comprometimento da serenidade do julgador que, em casos
extremos, pode levar até mesmo à perda da imparcialidade, por força da
sugestionabilidade e, até mesmo, por que não se dizer, de verdadeira coação que
a mídia pode exercer sobre o julgador”.
Serenidade deve ser, portanto, o clima da marcha processual.
As vítimas, ou seus familiares, geralmente movidos por um justo sentimento de vingança,
não podem, nem devem, contaminar as investigações. E é justamente aqui que a
exposição midiática desmedida potencializa esses efeitos nocivos às finalidades
do processo penal, pois agrega a essas cobranças a pressão de grande parte da
sociedade por vezes descomprometida com fundamentos jurídicos.
No processo penal devem prevalecer os argumentos fáticos e
jurídicos, cujas valorações não devem perpassar por sentimentos de amor,
paixão, ódio ou vingança. O tratamento dos males causados pelo suposto evento
criminoso deverá ser realizado por outras áreas das ciências humanas. A psicologia,
por exemplo, pode dar sua contribuição com maior efetividade aos traumas
verificados na vítima.
A busca desenfreada por audiência em um mercado altamente
competitivo e acessível a todos, com ou sem qualificação, tem nos apresentado
um deprimente quadro de desrespeito aos mais evidentes direitos fundamentais. Esse tipo de comportamento é prejudicial à própria mídia.
Por fim, relativizar demasiadamente direitos fundamentais
em nome da informação é admitir, por outro lado, que àquelas que garantem o
exercício de produção e divulgação da informação também podem ser flexibilizadas
(ou desrespeitadas) com a mesma intensidade.
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