Cultura

sexta-feira, 29 de março de 2013

A espetacularização da investigação criminal como rentável produto midiático



A organização e realização de espetáculos midiáticos que colocam no centro das atenções algum indivíduo objeto da investigação estatal não é novidade para o mundo, muito embora observemos com maior frequência modernamente no Brasil.

Vivenciamos uma reedição, revestida de aparente constitucionalidade, das famosas arenas romanas, mais comedidas, é claro, mas com sub-reptícia forma de atingir a dignidade humana.

O fato é que, a popularização do processo de investigação criminal transformou-se em rentável produto a diversos setores da mídia, que, muitas vezes, não se contentam em dar o fato, mas constroem suas versões, valoram as provas e proferem o veredito.

Tais métodos apresentam especial preocupação diante de uma população que, em geral, tem preguiça de pensar, de raciocinar, de elaborar suas próprias teses, ou seja, padecemos, volto a frisar, de um modo geral, de crônica falta de senso crítico e investigativo. Sob essa perspectiva, a apresentação de fórmulas prontas, seduz facilmente aos desavisados.

É inegável que a existência de um Estado Democrático de Direito, como previsto em nossa Constituição, pressupõe uma quantidade considerável de liberdades, dentre elas, a de expressão e informação. Assim como também não se pode negar que um processo de investigação criminal nesse mesmo Estado deve ter como regra a publicidade.

Por outro lado, tal Estado Democrático de Direito não se faz com garantias absolutas, inflexíveis, inexoráveis. O dinamismo das relações sociais nos apresenta constantemente colisões entre garantias fundamentais. Essas colisões, como sugere um dos mais influentes juristas alemães da atualidade, Robert Alexy, em sua “Teoria dos Princípios”, devem se resolver por sopesamentos ou ponderações.

Nesses casos, temos as liberdades de expressão e informação, cumulada com a regra da publicidade da investigação, frente à dignidade da pessoa humana e, mais especificamente, a presunção de inocência. O imenso aparato midiático com os fundamentos já citados e o investigado com suas garantias se contrapõem. A prevalência de um sobre o outro está vinculada aos limites do exercício desses direitos fundamentais no caso concreto.

Por certo, a espetacularização, com a construção implícita (quando não explícitas) de teses, na maioria das vezes desfavoráveis ao investigado, com a divulgação de protestos e cobranças sociais juridicamente descomprometidas, além de trechos descontextualizados de gravações ou outras provas desfavoráveis, extrapola e muito, os limites das garantias já expostas, que justificariam o trabalho da imprensa, atingindo, portanto, a dignidade humana e a presunção de inocência.

Um dos mais abalizados processualistas da nova geração, Gustavo Henrique Badaró, em seu “Direito Processual Penal”, publicado pela Elsevier em 2008, quando trata das garantias processuais e o sistema acusatório, é enfático ao afirmar que “o segredo é um mal que desnatura o processo, também é preciso tomar cuidado com a exasperação da publicidade processual. O strepitus fori pode causar danos irreparáveis o acusado e às vítimas. O forte sensacionalismo pode levar a um seriíssimo comprometimento da serenidade do julgador que, em casos extremos, pode levar até mesmo à perda da imparcialidade, por força da sugestionabilidade e, até mesmo, por que não se dizer, de verdadeira coação que a mídia pode exercer sobre o julgador”.

Serenidade deve ser, portanto, o clima da marcha processual. As vítimas, ou seus familiares, geralmente movidos por um justo sentimento de vingança, não podem, nem devem, contaminar as investigações. E é justamente aqui que a exposição midiática desmedida potencializa esses efeitos nocivos às finalidades do processo penal, pois agrega a essas cobranças a pressão de grande parte da sociedade por vezes descomprometida com fundamentos jurídicos.

No processo penal devem prevalecer os argumentos fáticos e jurídicos, cujas valorações não devem perpassar por sentimentos de amor, paixão, ódio ou vingança. O tratamento dos males causados pelo suposto evento criminoso deverá ser realizado por outras áreas das ciências humanas. A psicologia, por exemplo, pode dar sua contribuição com maior efetividade aos traumas verificados na vítima.

A busca desenfreada por audiência em um mercado altamente competitivo e acessível a todos, com ou sem qualificação, tem nos apresentado um deprimente quadro de desrespeito aos mais evidentes direitos fundamentais. Esse tipo de comportamento é prejudicial à própria mídia.

Por fim, relativizar demasiadamente direitos fundamentais em nome da informação é admitir, por outro lado, que àquelas que garantem o exercício de produção e divulgação da informação também podem ser flexibilizadas (ou desrespeitadas) com a mesma intensidade.

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