Cultura

quinta-feira, 28 de março de 2013

O expansionismo penal e o esvaziamento de garantias fundamentais



O dinamismo da evolução humana, a imensa quantidade de informações e a amazônica desigualdade na distribuição de produtos no mundo globalizado potencializam a convivência com constantes conflitos sociais que ameaçam e desafiam cotidianamente o Direito Penal e sua principal finalidade: a manutenção de uma sociedade harmônica e pacífica.

Desde as primeiras aglomerações humanas, teóricos se esforçam no sentido de indicar em que medida uma intervenção deve ser feita na busca da sociedade mais justa e igualitária, com uma quantidade suportável de conflitos, com terrenos menos férteis para o crime, pois estes, jamais deixarão de existir por serem inerentes ao fenômeno social. 

Beccaria, em 1764, com seu “Dos Delitos e das Penas”, sagrou-se como um marco na luta por uma intervenção estatal baseada em critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade.

As ideias deste pensador combatiam a postura autoritária e desmedida de soberanos de sua época que elegiam os supostos delinquentes como “inimigos do estado”, tratando-os como verdadeiros objetos das mais variadas e cruéis formas de vingança. Sobre esses métodos vis, talvez tenha sido Michel Foucault, em seu “Vigiar e Punir”, o que melhor tenha retratado um dos piores cenários de barbárie promovidos pelo Estado. 

Assiste razão ao mestre italiano Luigi Ferrajoli, em seu “Direito e Razão”, quando diz que “a história das penas é, sem dúvida, mais horrenda que a história dos crimes”.

Desse modo, as ideias de Beccaria encontraram ressonância e incentivaram, em longo prazo, a guinada de um Direito Penal Máximo para um Direito Penal Mínimo. O respeito à dignidade humana chega, finalmente, ao centro das atenções.

O estabelecimento de garantias fundamentais ao ser humano, portanto, contra o poder quase incomensurável do Estado na resolução desses conflitos e na regência da vida social, surge como incontestável evolução. Nem mesmo a busca pela harmonia, pela paz ou pela sensação de segurança geral, justifica a violação dessas irrenunciáveis garantias.

O quadro que vivenciamos hoje, como já tivemos oportunidade de frisar, de uma criminalidade aparentemente incontida, corriqueira e muito próxima de cada um de nós, assusta e desperta o medo de nos tronarmos vítimas. É nesse clima tenso e quase desesperado que temos presenciado as mais engenhosas fórmulas para resolver esse problema, grande parte delas pregando, na essência, o esvaziamento de garantias fundamentais. E o que é pior, encontram respaldo nos órgãos legislativos internos.

Assistimos atualmente, nunca é demais lembrar, na sociedade leiga, uma insistente cobrança pelo expansionismo penal e, por via de consequência, pelo esvaziamento de direitos e garantias fundamentais. Foi assim com a quebra da garantia de não produzir prova contra si mesmo no Código de Trânsito Brasileiro (bafômetro); ou com a coleta compulsória de material genético para investigados (Lei 12.654/12); com o reconhecimento pessoal; da presunção de inocência, com a lei da “Ficha Limpa”; entre tantas outras agasalhadas pelo legislador pátrio.

No inconsciente popular é o Direito Penal, único a interferir legítima e diretamente em nossa liberdade, a panaceia para todos os problemas que a incomodam, esquecendo-se da existência dos mais diversos ramos que compõem o Direito e que podem, com eficácia, promover o bem estar social. 

Iniciamos, dessa forma, o caminho de volta, um processo de perigosa involução. Essa é a preocupação dos mais respeitados estudiosos e críticos desse expansionismo penal, que ganha contornos alarmantes diante de uma Suprema Corte que se deixa embalar, na maioria das vezes, por esses anseios justiceiros desmedidos da sociedade leiga.

O fenômeno do ativismo judicial, que traz a baila um juiz com certa carga de pró-atividade, sobretudo quando liderado pela Suprema Corte brasileira, contamina todo o judiciário e cria um ambiente jurídico de inseguranças e incertezas diante de garantias que, num primeiro momento, pareciam óbices intransponíveis e inegociáveis frente ao poder punitivo do Estado, mas que agora parecem surgir como objetos de conveniência. 
 
Por fim, o recrudescimento da atuação do Direito Penal e a relativização de garantias não há de nos trazer resultados satisfatórios no combate à criminalidade. Fosse assim, os norte-americanos teriam erradicado o crime nos mais de trinta estados que adotam a pena de morte.

De um modo geral, temos boas leis, precisamos de boa estrutura e cada vez mais de profissionais preparados para operá-las! 

A prevalência dessas garantias, conquistadas a custa de muito sangue, suor e lágrimas, é o principal fundamento de qualquer estado democrático de direito e precisamos primar pela por elas. Admitindo relativizações, apenas quando realmente necessárias, e exaustivamente fundamentadas.

O fato é que, somos pródigos em cobrar o esvaziamento ou a relativização de garantias fundamentais quando em nada isso nos afeta, mas preocupamo-nos com elas quando a virulência do poder punitivo do Estado se volta para nós. É preciso lembrar que o Estado nem sempre acerta, nem sempre pune os verdadeiramente culpados e, o que é pior, muitas vezes, sob a justificativa de dar célere satisfação popular, pune inocentes.

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