O dinamismo da evolução humana, a imensa quantidade de
informações e a amazônica desigualdade na distribuição de produtos no mundo
globalizado potencializam a convivência com constantes conflitos sociais que
ameaçam e desafiam cotidianamente o Direito Penal e sua principal finalidade: a
manutenção de uma sociedade harmônica e pacífica.
Desde as primeiras aglomerações humanas, teóricos se
esforçam no sentido de indicar em que medida uma intervenção deve ser
feita na busca da sociedade mais justa e igualitária, com uma quantidade
suportável de conflitos, com terrenos menos férteis para o crime, pois estes, jamais deixarão de existir por serem
inerentes ao fenômeno social.
Beccaria, em 1764, com seu “Dos Delitos e das Penas”,
sagrou-se como um marco na luta por uma intervenção estatal baseada em
critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade.
As ideias deste pensador combatiam a postura autoritária e desmedida de
soberanos de sua época que elegiam os supostos delinquentes como “inimigos do
estado”, tratando-os como verdadeiros objetos das mais variadas e cruéis formas
de vingança. Sobre esses métodos vis, talvez tenha sido Michel Foucault, em
seu “Vigiar e Punir”, o que melhor tenha retratado um dos piores cenários de
barbárie promovidos pelo Estado.
Assiste razão ao mestre italiano Luigi
Ferrajoli, em seu “Direito e Razão”, quando diz que “a história das penas é,
sem dúvida, mais horrenda que a história dos crimes”.
Desse modo, as ideias de Beccaria encontraram ressonância e
incentivaram, em longo prazo, a guinada de um Direito Penal Máximo para um
Direito Penal Mínimo. O respeito à dignidade humana chega, finalmente, ao
centro das atenções.
O estabelecimento de garantias fundamentais ao ser humano,
portanto, contra o poder quase incomensurável do Estado na resolução desses
conflitos e na regência da vida social, surge como incontestável evolução. Nem
mesmo a busca pela harmonia, pela paz ou pela sensação de segurança geral,
justifica a violação dessas irrenunciáveis garantias.
O quadro que vivenciamos hoje, como já tivemos oportunidade de frisar, de uma criminalidade
aparentemente incontida, corriqueira e muito próxima de cada um de nós, assusta
e desperta o medo de nos tronarmos vítimas. É nesse clima tenso e quase
desesperado que temos presenciado as mais engenhosas fórmulas para resolver
esse problema, grande parte delas pregando, na essência, o esvaziamento de
garantias fundamentais. E o que é pior, encontram respaldo nos órgãos
legislativos internos.
Assistimos atualmente, nunca é demais lembrar, na sociedade
leiga, uma insistente cobrança pelo expansionismo penal e, por via de
consequência, pelo esvaziamento de direitos e garantias fundamentais. Foi assim
com a quebra da garantia de não produzir prova contra si mesmo no Código de
Trânsito Brasileiro (bafômetro); ou com a coleta compulsória de material
genético para investigados (Lei 12.654/12); com o reconhecimento pessoal; da
presunção de inocência, com a lei da “Ficha Limpa”; entre tantas outras
agasalhadas pelo legislador pátrio.
No inconsciente popular é o Direito Penal, único a
interferir legítima e diretamente em nossa liberdade, a panaceia para todos os
problemas que a incomodam, esquecendo-se da existência dos mais diversos ramos
que compõem o Direito e que podem, com eficácia, promover o bem estar social.
Iniciamos, dessa forma, o caminho de volta, um processo de perigosa involução. Essa
é a preocupação dos mais respeitados estudiosos e críticos desse expansionismo
penal, que ganha contornos alarmantes diante de uma Suprema Corte que se deixa
embalar, na maioria das vezes, por esses anseios justiceiros desmedidos da
sociedade leiga.
O fenômeno do ativismo judicial, que traz a baila um juiz
com certa carga de pró-atividade, sobretudo quando liderado pela Suprema Corte
brasileira, contamina todo o judiciário e cria um ambiente jurídico de
inseguranças e incertezas diante de garantias que, num primeiro momento,
pareciam óbices intransponíveis e inegociáveis frente ao poder punitivo do
Estado, mas que agora parecem surgir como objetos de conveniência.
Por fim, o recrudescimento da atuação do Direito Penal e a
relativização de garantias não há de nos trazer resultados satisfatórios no
combate à criminalidade. Fosse assim, os norte-americanos teriam erradicado o
crime nos mais de trinta estados que adotam a pena de morte.
De um modo geral, temos boas leis, precisamos de boa estrutura e cada vez mais de profissionais preparados para
operá-las!
A prevalência dessas garantias, conquistadas a custa de muito
sangue, suor e lágrimas, é o principal fundamento de qualquer estado
democrático de direito e precisamos primar pela por elas. Admitindo
relativizações, apenas quando realmente necessárias, e exaustivamente fundamentadas.
O fato é que, somos pródigos em cobrar o esvaziamento ou a
relativização de garantias fundamentais quando em nada isso nos afeta, mas preocupamo-nos com elas quando a virulência do poder punitivo
do Estado se volta para nós. É preciso lembrar que o Estado nem sempre acerta,
nem sempre pune os verdadeiramente culpados e, o que é pior, muitas vezes, sob a
justificativa de dar célere satisfação popular, pune inocentes.
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