A Constituição brasileira reserva à União, representada pelas casas do Congresso Nacional, a incumbência de legislar de forma privativa sobre Direito Penal e Processual Penal (art. 22, inciso I). Nessa esteira, o estabelecimento de infrações penais e suas respectivas sanções, além dos procedimentos de apuração, especialmente aqueles que se destinam à produção de provas, ficaram sob a responsabilidade dos parlamentares em nível federal.
Seguindo a onda moderna brasileira de um Direito Penal expansionista,
congressistas esculpiram, por intermédio da Lei 12.760/12, a nova roupagem do crime de “embriaguez ao volante”,
previsto no art. 306 do Código de Trânsito brasileiro.
Antes da insurgência dos paladinos das fórmulas resolutivas
mágicas em matéria de criminalidade, dignos de todo respeito pelo imperativo
democrático, importa-nos destacar que nossa crítica será direcionada aos
defeitos técnicos insanáveis que comprometem não apenas o dispositivo já
enfocado, mas toda a lógica de nosso sistema penal, processual e constitucional
no estabelecimento e na apuração de infrações.
Assim, debruçamo-nos sobre o assunto e apontamos eventuais vícios não porque a conduta
não mereça importância, muito pelo contrário, mas pelo fato de ter-se optado
por esse ramo do Direito para incidir na regulação de episódios como o ora
analisado. A direção sob o efeito de substâncias que comprometem a capacidade perceptiva
e motora é algo que deve ser combatido por todos nós, óbvio! Mas seria a via
escolhida e utilizada a mais adequada?
Sanções como a retirada da autorização para dirigir, a aplicação
de pesadas multas e a perda do próprio veículo, que deveria ser leiloado a bem
do erário, não seriam suficientes? Ou se acredita que, com a pena ora imposta
no dispositivo (seis meses a três anos), restará o infrator preso com a
prática delitiva? Pois lhes digo, mesmo condenado, nesses casos, a prisão é a
menos provável a se efetivar, tendo em vista as garantias esparsas no
ordenamento para sanções dessa intensidade.
Nosso enfoque sequer seguirá nessa linha, tão propagada
por inúmeros juristas, de questionar a falta de prestígio aos princípios da
intervenção mínima e da taxatividade como reitores de um Direito Penal verdadeiramente
moderno. Muito embora o tema mereça, em outra oportunidade, voltar à nossa
pauta, queremos, em poucas e descomplicadas linhas, chamar a atenção para outra espécie de violação.
Conforme já asseveramos no início, é de competência do
Congresso a construção de tipos penais e dos procedimentos que procuram
desvendá-los. Ocorre que, não bastasse a controvertida prescrição do caput do art.
306 do CTB, reputamos ao seu §3º o abrigo de outro grave vício que compromete sua validade.
Esse parágrafo remete ao Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN,
um dever que é de competência privativa do legislativo federal, não comportando
exceção, conforme se pode perceber do teor do art. 22 de nossa Carta Magna. A
propósito, a única exceção a esse respeito é aquela que possibilita aos
legislativos estaduais, autorizados por lei complementar, legislarem em
questões locais específicas (Parágrafo Único).
Dessa forma, em momento algum o Poder Constituinte
Originário deixou margem para o que se verifica hoje nesse dispositivo da lei de
trânsito. Se nem mesmo o Executivo, de forma direta, pode-se valer de medida
provisória, que tem força de lei, para dispor de Direito Penal e Processual
Penal (art. 62, inciso I, alínea “b”), o que dizer então do CONTRAN com uma resolução?
Contudo, a Resolução Nº 432, de 23 de janeiro de 2013 do
CONTRAN (veja o link e conheça a resolução integralmente aqui mesmo no blog) tratou
de preencher o espaço aberto pelo §3º do art. 306, disciplinando a forma
de ver-se preenchido o tipo penal e a produção de provas contra o infrator, alçando-se
à categoria das disposições impregnadas, em nosso sentir, pela
inconstitucionalidade, apesar de ainda não analisada pelo Supremo. Vê-se, portanto, violação da separação dos poderes, entregando-se à orgão do Executivo, tarefa privativa do Legislativo.
As normas impostas pelo CONTRAN devem servir de parâmetro
apenas para a determinação das sanções administrativas, mas não sobre as de
natureza penal, pelos motivos já expostos alhures.
A flacidez provocada ultimamente pelo Congresso Nacional em
nossa legislação penal e processual penal deve ser observada com preocupação.
Direito Penal, como temos sustentado neste espaço, não deve ser o principal instrumento
de combate à criminalidade, mas alternativa subsidiária.
Se assim não for, nossa deusa Themis, de tanto usar a espada
que empunha, em detrimento da balança que sustenta em outra mão, acabará por encontra-la
cega e desgastada quando realmente dela precisar.
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