Cultura

domingo, 19 de maio de 2013

Decisão do Júri contrária às provas dos autos é fundamento de recurso exclusivo da defesa



Adotado como a única fonte de resolução de conflitos em países como os Estados Unidos e Inglaterra, o sistema do Tribunal do Júri no Brasil se destina a julgar os crimes dolosos contra a vida (homicídio; infanticídio; instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio; e aborto), tentados ou consumados.

Com o intuito de submeter o réu ao julgamento pela comunidade que o “conhece”, o órgão composto por sete juízes leigos, privilegia, dentre outras coisas, a oralidade, a transparência e, especialmente, a falta de interesse carreirista, mais ligado a magistrados legitimamente vinculados ao aparelho estatal. Aqui, a tarefa do Estado-Juiz é a de garantidor, atuando apenas para garantir o cumprimento das regras constitucionais impostas a ambas as partes.

Após o advento da lei 11.689/2008, essa necessidade da falta de interesse carreirista ganhou contornos ainda mais fortes com a regra da rotatividade para jurados. Aquele que participa de um julgamento como jurado fica por cerca de dois anos impedido de participar de outro na mesma condição (art. 426, §4º do CPP). O desrespeito a isso, aliás, deve gerar nulidade absoluta.

O projeto de reforma do Código de Processo Penal engendrado em 2008, vigente por foça da lei que citamos acima, é de autoria da professora Ada Pellegrini Grinover, que propôs uma alteração de modelo e não de procedimentos apenas. Quer-se, portanto, um modelo iluminista e cada vez mais democrático, mas a ideia vem padecendo com as interpretações apegadas ao sistema anterior, de influência fascista.

Dessa forma, com o modelo de viés garantista, no Tribunal do Júri o sigilo não é apenas do voto, mas de todo o processo de votação. Contudo, os jurados não podem depois do julgamento, sair falando dos fundamentos de seus votos, o que, em acontecendo, pode gerar nulidade e precedente perigoso se não for coibido, pois abala a credibilidade da instituição do júri, possibilitando a interferência externa.

Decidido o mérito, a acusação não pode recorrer com base em decisão manifestamente contrária às provas dos autos, já que, para absolver, os jurados não precisam, e nem podem, fundamentar. Essa exigência se dá apenas para julgamentos técnicos, que obrigam fundamentação de cunho técnico-jurídico. O jurado pode absolver mesmo que a defesa não sustente a absolvição.

Assim, a constitucional soberania da decisão do júri, jamais alterada por instâncias superiores, sem a necessidade de fundamentação do conselho de sentença, obsta recurso acusatório que questione o mérito. O Tribunal do Júri é composto por leigos justamente para julgar com base no grau de reprovabilidade social do fato e não no status técnico-jurídico do arcabouço probatório, pois este muitas vezes engessa o julgador.

Cabe-nos esclarecer, por oportuno, que a Corte Suprema brasileira tem admitido recursos da acusação com esse fundamento, sustentado compatibilidade da previsão do art. 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal com a Constituição da República no art. 5º, inciso XXXVIII.

Mas com o advento e a vigência dos novos paradigmas garantistas, assim defendido por Adel El Tasse e outros renomados autores, ao Ministério Público, resta recorrer exclusivamente para: arguir nulidade; quando for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; ou quando houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (art. 593, inciso III, do CPP).

Por fim, familiarizar a sociedade da importância e das nuances do Tribunal do Júri, além de provocar o legislador para discutir sua eventual ampliação, como o mais representativo instrumento democrático de resolução de conflitos que temos, é a nossa principal intenção nessa apertada síntese.

A cada julgamento exposto com pompa pela mídia percebe-se o interesse, a curiosidade, a euforia com os procedimentos, reações antes somente provocadas em eventos esportivos. O Tribunal do Júri popularizou-se e, como todo conflito que envolva o Direito Penal atualmente, virou produto, muitas vezes mais atrativo e acessado pelas redes virtuais do que a maior festa popular brasileira: o carnaval.

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