É matéria pacificada entre os mais conceituados juristas do
mundo, que as bases principiológicas do Direito Penal, inspiradas na dignidade
humana positivada nas constituições democráticas, servem como uma espécie de
muro de contenção, de barreira, de limite, para a produção legislativa.
O tamanho deste ramo do Direito é geralmente medido pela
possibilidade de sua interferência direta em um dos bens mais importantes que
nós temos: a liberdade, e muito especialmente, a liberdade de locomoção. Sua
operação traz consigo, desde o início da persecução, uma constante ameaça de
restrição a esse bem e, admita-se, isso não é pouca coisa!
Não à toa, temos justamente na liberdade o núcleo irradiador
das ideias que eclodiram na marcante revolução francesa. No primeiro momento,
ante as intromissões desmedidas do Estado, as pessoas queriam ser livres,
depois é que passaram a cobrar direitos sociais, aquilo que chamamos
modernamente de direitos de segunda dimensão.
Fica patente, portanto, a magnitude do direito à liberdade.
Percebendo isso, não se pode relativizá-la sob qualquer argumento. A força do
argumento da relativização da liberdade deve ser tão magnânima quanto o que a
sustenta incólume.
Tramitam no Congresso Nacional os projetos de novo código
penal e processual penal (veja o link para acompanhar aqui mesmo no blog) tendo
como principais argumentos nas discussões entre os parlamentares a eliminação
de barreiras que impedem a volta de um Direito Penal máximo.
Perdemos os pudores pela necessidade de dar respostas
satisfatórias à sociedade. Não que ela não mereça ou não precise, mas há limites
intransponíveis para determinadas cobranças. Pela necessidade de votos,
parlamentares muitas vezes veem-se constrangidos a atender os anseios dos leigos,
mesmo contrariando cláusulas pétreas. Um exemplo disso foi a vedação da
progressão de regime para crimes hediondos (Lei 8.072/90), declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo a maioria, num Estado
Democrático de Direito, esbarra em obstáculos inflexíveis.
Os trabalhos dos congressistas sobre esses novos diplomas
devem ser norteados pela Constituição, que não convida ao cumprimento, mas
impõe! Onde houver o perigo de reaproximação com um sistema inquisitivo, mais
célere, simplificado, draconiano, estará lá a Carta Magna apontando os limites.
A exaltação dos ânimos pelas garantias envolvidas na
discussão, sobretudo aquelas que frustram ou relativizam o poder punitivo do
Estado sobre os investigados, é natural em ramos do Direito que são notáveis
por despertar dois inebriantes sentimentos: amor e ódio. Daí a necessidade de privilegiar
a serenidade.
Por conseguinte, em ambiente sereno devemos estimular os
debates de temas como, por exemplo, o endurecimento de penas, um dos mais
recorrentes na atividade legiferante.
Neste espaço, frequentemente temos alertado para o problema
da falta de estrutura para aplicar a boa legislação que temos. Precisamos de
ajustes, reconheço, mas temos sim um bom arcabouço legal, inclusive com as
penas já existentes.
Lapidar a lição de Humberto Ávila na sua “Teoria dos
princípios”, quando critica a postura atual de excesso de relativização das
bases do Direito, pois “aquelas normas, antes caracterizadas metaforicamente
como ´fundamentos` ou ´bases` do ordenamento jurídico e da atuação estatal,
passam a poder ser descartadas quando ´há razões contrárias mais
significativas`.
Em nosso sentir, a preocupação dos delinquentes não é voltada especialmente para
o tempo de encarceramento a que ele pode ficar sujeito (não negamos que pode
haver influência, mas esta é subsidiária e não deve ter impacto determinante no
intuito criminoso), mas se os órgãos que operam as leis penais terão estrutura
para aplicá-las com eficiência e dentro dos prazos razoavelmente já previstos
em lei.
Será mesmo que a quantidade da pena é um dos mais importantes
ingredientes no combate à criminalidade? Somos obrigados ainda a questionar:
será que os delinquentes habituais (aqueles que são responsáveis por grande
parte dos preocupantes índices) se preocupam em pesquisar a intensidade da pena
antes de cometer os crimes? Terá isso relação direta com o quadro alarmante que
vivenciamos hoje?
Se a resposta for positiva, aí sim, estabeleçamos a pena de
morte (atropelando a Constituição em nome de um funcionalismo) e resolvamos
definitivamente o problema. Seremos o primeiro país no mundo a conseguir essa
proeza! Em nome da paz, guerra aos infiéis ao sistema! Conseguiríamos, dessa
forma, o que nem mesmo os norte-americanos, membros da mais festejada e
estruturada democracia do mundo, conseguiram: relacionar o endurecimento das
penas à diminuição considerável da criminalidade.
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