Cultura

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Será que o delinquente pesquisa a pena do crime antes de cometê-lo?



É matéria pacificada entre os mais conceituados juristas do mundo, que as bases principiológicas do Direito Penal, inspiradas na dignidade humana positivada nas constituições democráticas, servem como uma espécie de muro de contenção, de barreira, de limite, para a produção legislativa.

O tamanho deste ramo do Direito é geralmente medido pela possibilidade de sua interferência direta em um dos bens mais importantes que nós temos: a liberdade, e muito especialmente, a liberdade de locomoção. Sua operação traz consigo, desde o início da persecução, uma constante ameaça de restrição a esse bem e, admita-se, isso não é pouca coisa!

Não à toa, temos justamente na liberdade o núcleo irradiador das ideias que eclodiram na marcante revolução francesa. No primeiro momento, ante as intromissões desmedidas do Estado, as pessoas queriam ser livres, depois é que passaram a cobrar direitos sociais, aquilo que chamamos modernamente de direitos de segunda dimensão.

Fica patente, portanto, a magnitude do direito à liberdade. Percebendo isso, não se pode relativizá-la sob qualquer argumento. A força do argumento da relativização da liberdade deve ser tão magnânima quanto o que a sustenta incólume.

Tramitam no Congresso Nacional os projetos de novo código penal e processual penal (veja o link para acompanhar aqui mesmo no blog) tendo como principais argumentos nas discussões entre os parlamentares a eliminação de barreiras que impedem a volta de um Direito Penal máximo.

Perdemos os pudores pela necessidade de dar respostas satisfatórias à sociedade. Não que ela não mereça ou não precise, mas há limites intransponíveis para determinadas cobranças. Pela necessidade de votos, parlamentares muitas vezes veem-se constrangidos a atender os anseios dos leigos, mesmo contrariando cláusulas pétreas. Um exemplo disso foi a vedação da progressão de regime para crimes hediondos (Lei 8.072/90), declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo a maioria, num Estado Democrático de Direito, esbarra em obstáculos inflexíveis.

Os trabalhos dos congressistas sobre esses novos diplomas devem ser norteados pela Constituição, que não convida ao cumprimento, mas impõe! Onde houver o perigo de reaproximação com um sistema inquisitivo, mais célere, simplificado, draconiano, estará lá a Carta Magna apontando os limites.

A exaltação dos ânimos pelas garantias envolvidas na discussão, sobretudo aquelas que frustram ou relativizam o poder punitivo do Estado sobre os investigados, é natural em ramos do Direito que são notáveis por despertar dois inebriantes sentimentos: amor e ódio. Daí a necessidade de privilegiar a serenidade.

Por conseguinte, em ambiente sereno devemos estimular os debates de temas como, por exemplo, o endurecimento de penas, um dos mais recorrentes na atividade legiferante.

Neste espaço, frequentemente temos alertado para o problema da falta de estrutura para aplicar a boa legislação que temos. Precisamos de ajustes, reconheço, mas temos sim um bom arcabouço legal, inclusive com as penas já existentes.

Lapidar a lição de Humberto Ávila na sua “Teoria dos princípios”, quando critica a postura atual de excesso de relativização das bases do Direito, pois “aquelas normas, antes caracterizadas metaforicamente como ´fundamentos` ou ´bases` do ordenamento jurídico e da atuação estatal, passam a poder ser descartadas quando ´há razões contrárias mais significativas`.

Em nosso sentir, a preocupação dos delinquentes não é voltada especialmente para o tempo de encarceramento a que ele pode ficar sujeito (não negamos que pode haver influência, mas esta é subsidiária e não deve ter impacto determinante no intuito criminoso), mas se os órgãos que operam as leis penais terão estrutura para aplicá-las com eficiência e dentro dos prazos razoavelmente já previstos em lei.

Será mesmo que a quantidade da pena é um dos mais importantes ingredientes no combate à criminalidade? Somos obrigados ainda a questionar: será que os delinquentes habituais (aqueles que são responsáveis por grande parte dos preocupantes índices) se preocupam em pesquisar a intensidade da pena antes de cometer os crimes? Terá isso relação direta com o quadro alarmante que vivenciamos hoje?

Se a resposta for positiva, aí sim, estabeleçamos a pena de morte (atropelando a Constituição em nome de um funcionalismo) e resolvamos definitivamente o problema. Seremos o primeiro país no mundo a conseguir essa proeza! Em nome da paz, guerra aos infiéis ao sistema! Conseguiríamos, dessa forma, o que nem mesmo os norte-americanos, membros da mais festejada e estruturada democracia do mundo, conseguiram: relacionar o endurecimento das penas à diminuição considerável da criminalidade.

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