Cultura

terça-feira, 2 de abril de 2013

A cultuada relativização dos prazos na investigação criminal brasileira



Nem mesmo um dos mais conhecidos gênios da humanidade na modernidade, o alemão Albert Einstein, teria a ousadia de dar o exagerado contorno de relatividade dos prazos estabelecidos por lei nas nossas investigações criminais.

O não cumprimento desses prazos (que existem! Sim! Pasmem! Eles existem em praticamente todos os procedimentos!) pelos mais diversos sujeitos que atuam na investigação criminal é o responsável direto por gerar na sociedade leiga a sensação de que a existência de um sistema demasiadamente moroso e injusto como o atual, via de regra, claro, pois existem as exceções de praxe, é a quantidade de recursos, instrumentos, artifícios disponíveis aos inconformados com as mais variadas modalidades de decisões.

O estabelecimento de prazos é condição indispensável em qualquer tipo de processo, sobretudo no penal. O Estado não pode, e nem deve, gozar da eternidade para a resolução de conflitos. Assim não fosse, a manutenção da paz social, uma das finalidades do Direito Penal, restaria ameaçada com o nível de tensão gerado pela falta de prestação jurisdicional. Avocar para si o monopólio de dizer o Direito e não fazê-lo a contento, frustrando as expectativas sociais, é grave violação de direitos humanos por quem deveria mantê-los intactos.

Em processos dessa natureza, pesa contra o investigado a carga estigmatizante da atuação dos órgãos que tem como função elucidar a suposta infração. O fato de ter sua inocência ameaçada pelo poderio coercitivo do Estado põe sobre o sujeito uma desagradável etiqueta, um inconveniente rótulo, uma traumatizante pecha de suspeito.

Nos dias de hoje, com uma impaciente sociedade leiga, que muito facilmente se deixa levar pelas primeiras impressões e pelas emoções mundanas, diante de um Estado com estrutura deficiente para, dentro dos parâmetros constitucionais e convencionais, dar uma resposta célere aos mais variados e incômodos conflitos, a pecha de “suspeito” apresenta-se como sedutora para aliviar as frustrações provocadas por essa insistente ineficiência estatal.

Contudo, a dignidade humana impede que essa situação de suspense que assombra o investigado perdure por prazo indeterminado, que se arraste pelo tempo que as autoridades julgarem necessário, o que justifica, por si só, o estabelecimento de prazos razoáveis.

A existência de instrumentos recursais, de pedidos de revisão ou reconsideração de decisões, são legítimos e também estão condicionados a prazos, não se apresentando como o problema. É preciso entender que suas existências permitem a otimização de direitos fundamentais.

Processos penais que se arrastam por anos, alguns até chegam a galgar a "maioridade", são flagrantemente inconstitucionais e inconvencionais, pois violam, para citar um exemplo dentro do sistema regional, a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992.

A razoabilidade temporal, como expressa previsão constitucional e convencional, deve, portanto, nortear a realização dos já mencionados procedimentos, significando dizer que os prazos estabelecidos legalmente somente podem ser extrapolados pela via da exceção. E aquilo que se utiliza como exceção, no Direito, deve ser substancialmente fundamentado, sobretudo quando a exceção afeta importantes garantias.

Não se pode esquecer, que o parâmetro da razoabilidade na duração da investigação criminal está diretamente ligado com a proteção de direitos humanos, constituindo-se, nesse caso, garantia contra abusos. A frequente argumentação da falta de estrutura do Estado para fazer frente às demandas pela resolução de conflitos nesta seara não se reveste de peso maior do que aquele conferido aos direitos humanos, pois a estrutura estatal será sempre deficiente, haverá sempre alguma coisa faltando para lhes dar efetividade.

Nosso maior problema, sustentam os mais renomados processualistas, parece ser a falta de consequência prática para o descumprimento dos prazos. A falta de estrutura para o cumprimento deles (quantidade de processos e falta de material humano, por exemplo) são desculpas geralmente aceitas pelos tribunais de controle. Para nós vige uma tal doutrina do “não prazo”, citada por Gustavo Henrique Badaró em sua obra.

Nesse aspecto, Itália, Alemanha, Argentina, Portugal e Paraguai servem como modelo. Tem prazos e consequências bem definidas, uma delas, a extinção do processo. 

Dessa forma, é chegada a hora de nos rendermos, por respeito à dignidade humana, aos modelos mais rígidos de controle dos prazos no Brasil, para acabarmos de uma vez com os suplícios a que o sistema tem submetido todas as pessoas envolvidas na investigação criminal, quer seja o suposto autor do fato quer seja a vítima ou seus familiares que aguardam ansiosos uma resposta estatal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário