Cultura

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Direito Penal moderno e a busca pela santidade



A revolução industrial expandida ao mundo a partir do século XIX, propulsora de avanços tecnológicos e científicos, fomentou na sociedade a sensação de que grande parte de seus problemas seriam solucionados. Em um mundo industrializado, apresentado à modernidade, a pujança econômica obtida com esse processo evolutivo parecia ter potencial suficiente para superar quaisquer barreiras que frustrassem as expectativas sociais até então.

Passando ao largo das discussões acerca da natureza do capitalismo, o fato é que, áreas importantes como saúde, educação, transporte, comércio, entre outras, usufruíram desse momento e conquistaram avanços até hoje exaltados.

Obviamente, o Direito Penal também se viu influenciado diante desses acontecimentos marcantes em praticamente todo o mundo, mas, antes de discorrermos a respeito, é preciso esclarecer.

Percebeu-se, com o tempo, passada a euforia inicial, que nem todas as expectativas sociais seriam atendias pela revolução, que nem todas as pessoas, na verdade, pouquíssimas, seriam privilegiadas pelo sistema implantado (que tinha como um de seus principais fundamentos o acúmulo de capitais), e que essa quebra de paradigma com a chegada avassaladora da modernidade acabou, portanto, trazendo efeitos colaterais. Surge, então, o que na expressão do sociólogo alemão Ulrich Beck chamaremos de “sociedade de riscos”.

Pois bem, diante desse quadro, de verdadeira frustração social, as tensões se intensificam e, por consequência, os conflitos se tornam mais frequentes. O estímulo à competição por acesso às benesses do capitalismo acaba figurando como notável ingrediente no incremento de conflitos, com eles, a submissão a fortes riscos.

É nesse momento que as atenções se voltam para um dos ramos do Direito que, na visão social, deveria tutelar todos os bens envolvidos nesses conflitos. Esse ramo é o Direito Penal. 

Essa cobrança, que muitas vezes tem soado em discursos demagógicos como exigência, acolhida em grande parte pelo legislador, faz-nos conviver ainda hoje com uma inflação de normas incriminadoras. Temos em Jesus-Maria Silva Sánchez a melhor obra sobre esse fenômeno do “expansionismo penal”.

Tínhamos, no Direito Penal, certa predileção por proteção de bens individuais (como a vida, a honra, a liberdade, o patrimônio, enfim), mas o foco é nitidamente outro. Os riscos de lesão passam a figurar como o centro das atenções e, consequentemente, o sentimento de insegurança da coletividade.

Diante das insistentes cobranças, como temos alertado em nossos artigos, o Estado passou a criminalizar condutas que seriam potencialmente arriscadas à manutenção da paz social. Privilegia-se, dessa forma, no processo legislativo atual, bens supra individuais (saúde pública, paz pública, fé pública, enfim), controlando-se o máximo possível de condutas para evitar a concretização do risco, daí a expansão penal.

O Estado, pressionado, e incapaz de estabelecer políticas públicas que combatam as raízes do problema da criminalidade (como já tivemos a oportunidade de apontar em outros artigos), tem antecipado cada vez mais a tutela penal procurando evitar danos efetivos, concretos, palpáveis.

Com essa “nova era”, vivenciamos o incentivo de um Direito Penal cada vez mais poderoso e insensível diante do ser humano. Mais do que pertinente as lições do professor Marcelo André, promotor público em Goiás, afirmando que quanto mais antecipamos a tutela penal, desmaterializando ou espiritualizando os bens penais, mais há um afastamento do indivíduo.

Assim, essa obsessão pela criminalização de condutas de risco, mantendo-se as influências atuais, deve nos remeter à procura dos santos, dos gênios, dos puros, e, talvez até, dos mortos (!), únicos que estariam salvos da aplicação da lei penal. 

O exercício da vida é um risco constante, usufruí-la é submeter e ser submetido a riscos! E que, futuramente, consigamos barrar o legislador penal quando ele acostumar-se a resolver todos os problemas da sociedade com leis penais, por entender ser o caminho mais fácil e suscetível aos aplausos calorosos da sociedade

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