A revolução industrial expandida ao mundo a partir do século
XIX, propulsora de avanços tecnológicos e científicos, fomentou na sociedade a
sensação de que grande parte de seus problemas seriam solucionados. Em um mundo
industrializado, apresentado à modernidade, a pujança econômica obtida com esse
processo evolutivo parecia ter potencial suficiente para superar quaisquer
barreiras que frustrassem as expectativas sociais até então.
Passando ao largo das discussões acerca da natureza do
capitalismo, o fato é que, áreas importantes como saúde, educação, transporte,
comércio, entre outras, usufruíram desse momento e conquistaram avanços até
hoje exaltados.
Obviamente, o Direito Penal também se viu influenciado diante
desses acontecimentos marcantes em praticamente todo o mundo, mas, antes de discorrermos
a respeito, é preciso esclarecer.
Percebeu-se, com o tempo, passada a euforia inicial, que nem
todas as expectativas sociais seriam atendias pela revolução, que nem todas as pessoas,
na verdade, pouquíssimas, seriam privilegiadas pelo sistema implantado (que
tinha como um de seus principais fundamentos o acúmulo de capitais), e que essa
quebra de paradigma com a chegada avassaladora da modernidade acabou, portanto,
trazendo efeitos colaterais. Surge, então, o que na expressão do sociólogo
alemão Ulrich Beck chamaremos
de “sociedade de riscos”.
Pois bem, diante desse quadro, de verdadeira frustração
social, as tensões se intensificam e, por consequência, os conflitos se tornam
mais frequentes. O estímulo à competição por acesso às benesses do capitalismo
acaba figurando como notável ingrediente no incremento de conflitos, com eles,
a submissão a fortes riscos.
É nesse momento que as atenções se voltam para um dos ramos do
Direito que, na visão social, deveria tutelar todos os bens envolvidos nesses
conflitos. Esse ramo é o Direito Penal.
Essa cobrança, que muitas vezes tem
soado em discursos demagógicos como exigência, acolhida em grande parte pelo
legislador, faz-nos conviver ainda hoje com uma inflação de normas
incriminadoras. Temos em Jesus-Maria Silva Sánchez a melhor obra sobre esse
fenômeno do “expansionismo penal”.
Tínhamos, no Direito Penal, certa predileção por proteção de
bens individuais (como a vida, a honra, a liberdade, o patrimônio, enfim), mas
o foco é nitidamente outro. Os riscos de lesão passam a figurar como o centro
das atenções e, consequentemente, o sentimento de insegurança da coletividade.
Diante das insistentes cobranças, como temos alertado em
nossos artigos, o Estado passou a criminalizar condutas que seriam
potencialmente arriscadas à manutenção da paz social. Privilegia-se, dessa
forma, no processo legislativo atual, bens supra individuais (saúde pública, paz
pública, fé pública, enfim), controlando-se o máximo possível de condutas para
evitar a concretização do risco, daí a expansão penal.
O Estado, pressionado, e incapaz de estabelecer políticas
públicas que combatam as raízes do problema da criminalidade (como já tivemos a
oportunidade de apontar em outros artigos), tem antecipado cada vez mais a
tutela penal procurando evitar danos efetivos, concretos, palpáveis.
Com essa “nova era”, vivenciamos o incentivo de um Direito
Penal cada vez mais poderoso e insensível diante do ser humano. Mais do que
pertinente as lições do professor Marcelo André, promotor público em Goiás, afirmando
que quanto mais antecipamos a tutela penal, desmaterializando ou espiritualizando
os bens penais, mais há um afastamento do indivíduo.
Assim, essa obsessão pela criminalização de condutas de
risco, mantendo-se as influências atuais, deve nos remeter à procura dos
santos, dos gênios, dos puros, e, talvez até, dos mortos (!), únicos que estariam salvos da aplicação da lei penal.
O exercício da vida é
um risco constante, usufruí-la é submeter e ser submetido a riscos! E que,
futuramente, consigamos barrar o legislador penal quando ele acostumar-se a
resolver todos os problemas da sociedade com leis penais, por entender ser o caminho
mais fácil e suscetível
aos aplausos calorosos da sociedade.
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