A observância da atividade da
Suprema Corte ao longo da história democrática brasileira faz com que percebamos o
quanto tem se exigido mais dela na atualidade. Movimentos sociais, organizações
não governamentais, entidades religiosas e políticas, o complexo midiático,
enfim, são inúmeras expectativas, geralmente frustradas pelo legislativo, depositadas
periodicamente nos ministros que integram a mais alta Corte jurídica no Brasil.
Os diversos temas que chegam ao plenário
do Supremo Tribunal Federal exigem de seus integrantes uma importante e
necessária tarefa: interpretações fundamentadas de textos legais à luz do
complexo de fontes do Direito refletidos pela Carta Magna e por dispositivos
internacionais sobre direitos humanos adotados pelo país, mantendo-se, por consequência,
a essência das prescrições constitucionais e convencionais.
Exerce-se, assim, o chamado
controle de constitucionalidade e de convencionalidade (uma expressão trazida
ao Brasil pelo professor internacionalista Valério Mazzuoli), quando, neste último
caso, os pressupostos de validade da matéria discutida são as convenções,
pactos ou tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil. Ao menos
essa é a atitude que se espera de um magistrado da pós-modernidade, de visão
holística, chamado de “Hermes”, na classificação proposta pelo jurista belga
François OST.
Mas essa “nova” postura judicial,
esse dinamismo em julgamentos polêmicos, essa vontade e necessidade de dar
respostas convincentes às partes, de abrir-se para novas fontes de pesquisa que
não apenas a lei, de participar diretamente das transformações sociais, tem nos
apresentado um efeito colateral, especialmente quando o exemplo vem de cima, ou
seja, do próprio Supremo: o ativismo judicial.
Com essa postura demasiadamente proativa,
de querer participar (ou de estar participando) do jogo que pode vir a ser
submetido a ele para julgamento, no bojo de um processo penal, como exemplo
mais preocupante, pode fulminar a garantia da imparcialidade. Mas essa é outra
discussão.
Nossa análise, ainda que em
apertada síntese, como se percebe, restringe-se a atuação da Suprema Corte assumindo
o papel do legislador. As lacunas no ordenamento, bem sabemos, podem ser
preenchidas com a utilização da analogia, dos costumes e dos princípios gerais
do direito. Mas e quando há previsão clara na Constituição e o texto é
flagrantemente contrariado na jurisprudência do próprio Supremo? Senão vejamos.
Em 2011 a Corte julgou possível,
na ADI 4277, com a relatoria do Ministro Ayres Britto, a união estável entre
casais homossexuais (aqui não discutiremos se a decisão foi justa ou não,
apegamo-nos apenas às questões técnicas), atropelando o § 3º do artigo 226 da
Constituição, que diz textualmente “Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Esse é um precedente que nos faz
perceber o poder quase incomensurável que avoca para si nossa Suprema Corte,
acomodando suas decisões acima até do texto constitucional taxativo. No ápice
de nosso edifício jurídico, encontramos, portanto, a jurisprudência do Supremo,
e não a Constituição. O desprestígio à separação dos poderes nesse nível é um evidente
abalo aos princípios democráticos.
Respostas às cobranças por
adequação do ordenamento à modernidade, aos novos costumes que se instalam em
nosso meio, às novas necessidades, precisam vir primordialmente pela via do
legislativo,
enquanto representante direto da população, pois esse é o seu papel, onde há possibilidade maior de participação e influência da sociedade.
enquanto representante direto da população, pois esse é o seu papel, onde há possibilidade maior de participação e influência da sociedade.
Vivenciamos atualmente, de um
modo geral, o acender da “luz amarela”, que nos alerta estar aflorando uma postura
que não deve se tornar padrão, pois um padrão como este tende a se expandir, sob
pena de vermos, em um futuro não muito distante, o padecer das bases que sustentam
um Estado Democrático de Direito.
Um belo texto. Parabéns. No entanto eu inquiro ao altivo catedrático: Com tantas Pec's e Medidas Provisórias, não já estaríamos num momento de perpetrar uma revisão na nossa Constituição, e que a Suprema Corte possa ajuizar de feitio constitucional?
ResponderExcluirEntendo como leigo, mas como um envelhecido jornalista que procura a informação nos mais distintos campos, que compete ao Supremo ponderar, sim. No entanto, ressaltando o papel da constitucionalidade, desde que tenhamos de fato uma Constituição e não, um livro abarrotado de remendos.