Cultura

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Quando o Supremo legisla a democracia padece



A observância da atividade da Suprema Corte ao longo da história democrática brasileira faz com que percebamos o quanto tem se exigido mais dela na atualidade. Movimentos sociais, organizações não governamentais, entidades religiosas e políticas, o complexo midiático, enfim, são inúmeras expectativas, geralmente frustradas pelo legislativo, depositadas periodicamente nos ministros que integram a mais alta Corte jurídica no Brasil.

Os diversos temas que chegam ao plenário do Supremo Tribunal Federal exigem de seus integrantes uma importante e necessária tarefa: interpretações fundamentadas de textos legais à luz do complexo de fontes do Direito refletidos pela Carta Magna e por dispositivos internacionais sobre direitos humanos adotados pelo país, mantendo-se, por consequência, a essência das prescrições constitucionais e convencionais.

Exerce-se, assim, o chamado controle de constitucionalidade e de convencionalidade (uma expressão trazida ao Brasil pelo professor internacionalista Valério Mazzuoli), quando, neste último caso, os pressupostos de validade da matéria discutida são as convenções, pactos ou tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil. Ao menos essa é a atitude que se espera de um magistrado da pós-modernidade, de visão holística, chamado de “Hermes”, na classificação proposta pelo jurista belga François OST.

Mas essa “nova” postura judicial, esse dinamismo em julgamentos polêmicos, essa vontade e necessidade de dar respostas convincentes às partes, de abrir-se para novas fontes de pesquisa que não apenas a lei, de participar diretamente das transformações sociais, tem nos apresentado um efeito colateral, especialmente quando o exemplo vem de cima, ou seja, do próprio Supremo: o ativismo judicial.

Com essa postura demasiadamente proativa, de querer participar (ou de estar participando) do jogo que pode vir a ser submetido a ele para julgamento, no bojo de um processo penal, como exemplo mais preocupante, pode fulminar a garantia da imparcialidade. Mas essa é outra discussão.

Nossa análise, ainda que em apertada síntese, como se percebe, restringe-se a atuação da Suprema Corte assumindo o papel do legislador. As lacunas no ordenamento, bem sabemos, podem ser preenchidas com a utilização da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. Mas e quando há previsão clara na Constituição e o texto é flagrantemente contrariado na jurisprudência do próprio Supremo? Senão vejamos.

Em 2011 a Corte julgou possível, na ADI 4277, com a relatoria do Ministro Ayres Britto, a união estável entre casais homossexuais (aqui não discutiremos se a decisão foi justa ou não, apegamo-nos apenas às questões técnicas), atropelando o § 3º do artigo 226 da Constituição, que diz textualmente “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Esse é um precedente que nos faz perceber o poder quase incomensurável que avoca para si nossa Suprema Corte, acomodando suas decisões acima até do texto constitucional taxativo. No ápice de nosso edifício jurídico, encontramos, portanto, a jurisprudência do Supremo, e não a Constituição. O desprestígio à separação dos poderes nesse nível é um evidente abalo aos princípios democráticos.

Respostas às cobranças por adequação do ordenamento à modernidade, aos novos costumes que se instalam em nosso meio, às novas necessidades, precisam vir primordialmente pela via do legislativo,
enquanto representante direto da população, pois esse é o seu papel, onde há possibilidade maior de participação e influência da sociedade.

Vivenciamos atualmente, de um modo geral, o acender da “luz amarela”, que nos alerta estar aflorando uma postura que não deve se tornar padrão, pois um padrão como este tende a se expandir, sob pena de vermos, em um futuro não muito distante, o padecer das bases que sustentam um Estado Democrático de Direito.

Um comentário:

  1. Um belo texto. Parabéns. No entanto eu inquiro ao altivo catedrático: Com tantas Pec's e Medidas Provisórias, não já estaríamos num momento de perpetrar uma revisão na nossa Constituição, e que a Suprema Corte possa ajuizar de feitio constitucional?

    Entendo como leigo, mas como um envelhecido jornalista que procura a informação nos mais distintos campos, que compete ao Supremo ponderar, sim. No entanto, ressaltando o papel da constitucionalidade, desde que tenhamos de fato uma Constituição e não, um livro abarrotado de remendos.

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