Em nosso hemisfério, um
sistema de proteção aos direitos humanos, criado pela Organização dos Estados
Americanos – OEA em 1969, adotado por países de todas as partes da América, estabeleceu
normas programáticas e mecanismos constritivos para fazer valer suas
disposições.
O Brasil ratificou, comprometendo-se
a cumprir integralmente o que foi pactuado (pacta sunt servanda), através do
Decreto Legislativo 89/98, à competência contenciosa da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, órgão jurisdicional encarregado de julgar as demandas que
envolvem os países partes do conhecido Pacto de São José da Costa Rica.
À Corte Interamericana
podem chegar, esgotados os recursos no âmbito interno, dentro do período de
seis meses contados da decisão irrecorrível, não havendo pendência sobre o caso
em outras instâncias internacionais (como, por exemplo, na ONU), os casos que demonstrem
ofensa aos direitos humanos com os quais se obrigaram a respeitar os que
ratificaram o documento internacional.
Com o fim do julgamento
do caso Mensalão (Ação Penal 470), acumulam-se os questionamentos entre juristas, somando-se aos advogados dos réus, que já anteciparam que provocariam a Corte Interamericana, sobre
os procedimentos adotados pelos ministros da Suprema Corte na apuração dos
fatos.
Um dos primeiros a formular um parecer robusto sobre supostas incompatibilidades
com o Pacto de proteção do qual o Brasil é parte foi o professor Luiz Flávio
Gomes. É com base nos argumentos dele, de matiz técnica e jurídica, que vamos sucintamente
mostrar os pontos nevrálgicos da discussão.
Imparcialidade, duplo
grau de jurisdição e igualdade teriam sido as garantias desrespeitadas pelo
Supremo Tribunal Federal durante o julgamento.
No caso “Lars Palmeiras
vs Colômbia”, a Corte Interamericana
decidiu que o juiz que participa ativamente das investigações, que investiga o
fato, não pode ser também seu julgador. O Ministro relator do Mensalão, Joaquim
Barbosa, com o amparo do Regimento Interno do STF (art.230), julgou o que ele
mesmo investigou, no que teria fulminado sua imparcialidade.
Todo Estado Democrático
de Direito tem por característica primordial a dissolução de centros absolutos de
poderes. A separação de atribuições na prestação de serviços à sociedade é uma
clara demonstração de respeito aos princípios democráticos, especialmente na
resolução de conflitos submetidos ao judiciário.
Quem recebe a incumbência
de julgar, de dizer o Direito, de resolver o conflito, não pode e nem deve
participar do jogo, mas apenas controla-lo, coibindo e punindo os excessos dos
participantes. Essa é a essência do sistema democrático acusatório, ignorado,
nesse caso, pelo regimento do Supremo.
Quando do julgamento do
caso “Barreto Leiva vs Venezuela”, a
mesma Corte Interamericana decidiu que os réus, mesmo àqueles com foro por
prerrogativa, têm o direito de recorrer das decisões que lhes são desfavoráveis,
respeitando-se a garantia do duplo grau de jurisdição encartada no documento ratificado
pelo Brasil.
Ademais disso, foram
118 acusados, cerca de 40, alguns com e outros sem foro por prerrogativa, foram
julgados pelo Supremo, os demais tiveram os processos desmembrados e ainda respondem
em instâncias inferiores. O que justificou esse tratamento diferenciado com réus
em situações idênticas? Teríamos aqui, segundo entendimento da Corte
Interamericana em caso análogo (Barreto Leiva vs Venezuela), violação do princípio da igualdade.
Apesar das
controvérsias doutrinárias, passando ao largo delas, mas aderindo à tese defendida
por Valério Mazzuoli, as normas internacionais sobre direitos humanos que
ingressam em nosso sistema, complementam as já existentes no Direito Posto com,
no mínimo, status constitucional.
Dessa forma, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos têm legitimidade plena para condenar o
Brasil pelo suposto desrespeito de normas com as quais o país se obrigou a
respeitar ao aderir ao Pacto de São José da Costa Rica, conforme demonstramos.
A que tipo de sanção
está sujeito o país? Basicamente à reprovação internacional pelo que operou contra os
direitos humanos que havia se obrigado a proteger, ao pagamento de indenização
aos vitimados por seus atos e, em casos mais graves, à proibição de realizar
exportação, o que pode trazer enorme prejuízo à nação.
A Suprema Corte
brasileira, não esqueçamos, sempre relutou (vide o caso Araguaia) em admitir
uma espécie de submissão às decisões da Corte Interamericana. Com o caso
Mensalão, muito provavelmente teremos a chance de assistir um debate
interessante sobre os limites da soberania das decisões do Supremo Tribunal
Federal.
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