Cultura

sábado, 13 de abril de 2013

Mensalão: credibilidade de decisão do Supremo será posta à prova



Em nosso hemisfério, um sistema de proteção aos direitos humanos, criado pela Organização dos Estados Americanos – OEA em 1969, adotado por países de todas as partes da América, estabeleceu normas programáticas e mecanismos constritivos para fazer valer suas disposições.

O Brasil ratificou, comprometendo-se a cumprir integralmente o que foi pactuado (pacta sunt servanda), através do Decreto Legislativo 89/98, à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão jurisdicional encarregado de julgar as demandas que envolvem os países partes do conhecido Pacto de São José da Costa Rica.

À Corte Interamericana podem chegar, esgotados os recursos no âmbito interno, dentro do período de seis meses contados da decisão irrecorrível, não havendo pendência sobre o caso em outras instâncias internacionais (como, por exemplo, na ONU), os casos que demonstrem ofensa aos direitos humanos com os quais se obrigaram a respeitar os que ratificaram o documento internacional.

Com o fim do julgamento do caso Mensalão (Ação Penal 470), acumulam-se os questionamentos entre juristas, somando-se aos advogados dos réus, que já anteciparam que provocariam a Corte Interamericana, sobre os procedimentos adotados pelos ministros da Suprema Corte na apuração dos fatos. 

Um dos primeiros a formular um parecer robusto sobre supostas incompatibilidades com o Pacto de proteção do qual o Brasil é parte foi o professor Luiz Flávio Gomes. É com base nos argumentos dele, de matiz técnica e jurídica, que vamos sucintamente mostrar os pontos nevrálgicos da discussão.

Imparcialidade, duplo grau de jurisdição e igualdade teriam sido as garantias desrespeitadas pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento.

No caso “Lars Palmeiras vs Colômbia”, a Corte Interamericana decidiu que o juiz que participa ativamente das investigações, que investiga o fato, não pode ser também seu julgador. O Ministro relator do Mensalão, Joaquim Barbosa, com o amparo do Regimento Interno do STF (art.230), julgou o que ele mesmo investigou, no que teria fulminado sua imparcialidade.

Todo Estado Democrático de Direito tem por característica primordial a dissolução de centros absolutos de poderes. A separação de atribuições na prestação de serviços à sociedade é uma clara demonstração de respeito aos princípios democráticos, especialmente na resolução de conflitos submetidos ao judiciário.

Quem recebe a incumbência de julgar, de dizer o Direito, de resolver o conflito, não pode e nem deve participar do jogo, mas apenas controla-lo, coibindo e punindo os excessos dos participantes. Essa é a essência do sistema democrático acusatório, ignorado, nesse caso, pelo regimento do Supremo.

Quando do julgamento do caso “Barreto Leiva vs Venezuela”, a mesma Corte Interamericana decidiu que os réus, mesmo àqueles com foro por prerrogativa, têm o direito de recorrer das decisões que lhes são desfavoráveis, respeitando-se a garantia do duplo grau de jurisdição encartada no documento ratificado pelo Brasil.

Ademais disso, foram 118 acusados, cerca de 40, alguns com e outros sem foro por prerrogativa, foram julgados pelo Supremo, os demais tiveram os processos desmembrados e ainda respondem em instâncias inferiores. O que justificou esse tratamento diferenciado com réus em situações idênticas? Teríamos aqui, segundo entendimento da Corte Interamericana em caso análogo (Barreto Leiva vs Venezuela), violação do princípio da igualdade.

Apesar das controvérsias doutrinárias, passando ao largo delas, mas aderindo à tese defendida por Valério Mazzuoli, as normas internacionais sobre direitos humanos que ingressam em nosso sistema, complementam as já existentes no Direito Posto com, no mínimo, status constitucional.

Dessa forma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm legitimidade plena para condenar o Brasil pelo suposto desrespeito de normas com as quais o país se obrigou a respeitar ao aderir ao Pacto de São José da Costa Rica, conforme demonstramos.

A que tipo de sanção está sujeito o país? Basicamente à reprovação internacional pelo que operou contra os direitos humanos que havia se obrigado a proteger, ao pagamento de indenização aos vitimados por seus atos e, em casos mais graves, à proibição de realizar exportação, o que pode trazer enorme prejuízo à nação.

A Suprema Corte brasileira, não esqueçamos, sempre relutou (vide o caso Araguaia) em admitir uma espécie de submissão às decisões da Corte Interamericana. Com o caso Mensalão, muito provavelmente teremos a chance de assistir um debate interessante sobre os limites da soberania das decisões do Supremo Tribunal Federal.

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